Quando, na esteira da Conferência do Clima de Paris de 2015, o Brasil escriturou as suas contribuições nacionais determinadas no âmbito do Acordo das Partes convenentes do Tratado sobre o Clima, fez constar a meta de extinguir o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Parece inaceitável o que foi tomado como meta: esta confissão de morosidade, incapacidade, devo dizer falência, das instituições que compõem os poderes nacionais. Pela consideração de que tantos anos seriam necessários para trazer efetividade e fazer cumprir a lei pátria, investida como meta ambiental, em um cenário de crise climática e de projeções de cenários de aquecimento global de até acima de 4 graus centígrados.
Em tempo de dilúvio, luz no fim do túnel é bem-aventurança.
Mas quando esquenta, salve-se quem puder, chamem as brigadas antifogo cujas verbas ainda não tenham sido cortadas, cujos membros ainda estejam firmes e valentes. Eis um alerta grave que vem de um brigadista lançado à ilegalidade em Minas Gerais.
Enquanto isso, na terra-chão, a proteção da vida inerente às reservas legais, áreas de preservação, unidades de conservação e terras indígenas ficam à míngua de recursos escassos e ações esporádicas. Como sempre e piorado, não obstante mobilizações da sociedade civil e do Exército.
Em artigo no Le Monde Diplomatique em 2018, Carlos Rittl rememorou o processo e o contexto da participação brasileira no âmbito do Acordo de Paris.
Ainda outro dia, na chamada Cúpula de Biden, o governo brasileiro, ante a iniciativa da gestão democrata estadunidense, desfez-se das suas vestes trumpistas para reafirmar o compromisso longínquo. Mas não pareceu honesto em seu propósito, em face de declarações e ações contrárias ao controle do desmatamento, ao respeito da importância e defesa das áreas de preservação.
Talvez devesse notar que o governo, ao manifestar-se reafirmando o compromisso, foi coerente a curto prazo, isto é, cumprindo a meta de não fazer extinguir o desmatamento ilegal antes de 2030. Ou aceitando o realismo dos desafios de um país continental em desenvolvimento, em compromisso já firmado, dirão.
Cumpre, em benefício da complexidade do desafio, notar a importância do Cadastro Ambiental Rural e de uma regularização fundiária séria nas fronteiras do quarto mundo brasileiro, que atravessa, por enquanto, governos e ideologias. O que não pode ser entendido como incentivo ao crime ambiental, em caso de uso espúrio e de falsidade de documentos e declarações, como consta sói acontecer no caso de grileiros de terras públicas.
Estranho novo mundo pandêmico das falsidades e do retrocesso.
E chegamos aos estertores de violência e contaminação pelo garimpo em terra Yanomami.
O problema social dos garimpeiros e seu futuro no mundo do trabalho têm de ser encaminhados de outro modo. Não é possível aceitar atividades de alto impacto ambiental, cuja conta ambiental e humana não importe, como é despejar mercúrio nos rios; muito menos as que não estejam regulamentadas e fiscalizadas, na devida hierarquia legal segundo os estritos termos da Constituição, mediante amplo debate público e transparência das instituições – inclusive sobre a quem beneficiam.
São os povos indígenas originários herdeiros de sabedoria milenar, bem imemorial, trazida por tradição oral, preservada em reprodução cultural de inegável valor humano e que pode ser vislumbrada na sua diversidade linguística, no seu conhecimento da biodiversidade e no seu respeito ancestral pelos processos ecológicos.
Terras indígenas asseguram relevantes serviços ambientais no equilíbrio climático, na preservação da biodiversidade e na conservação do fluxo da água. São terras da União de usufruto dos povos indígenas. Devem ser protegidas pelas instituições e defendidas pelo Exército. Poderiam, para efeitos de planejamento socioambiental, estar integradas ao Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).
O seu aproveitamento econômico, se houver, deve ser regulado por lei complementar à Constituição Federal, ouvidos os povos indígenas e a sociedade nacional. Mas não pode prescindir da conservação, ou deixarão de existir. E pode parar de chover em São Paulo, pela exaustão dos rios voadores.
O Instituto Socioambiental publicou, nos idos de 2004, estudo sobre o problema de sobreposições entre unidades de conservação e terras indígenas, complementares na preservação ambiental.
Incapaz de reconhecer a dimensão do ambiente para a vida, o atual governo esforçou-se para desmontar a representatividade do Conselho Nacional do Meio Ambiente e as conquistas ambientais que vieram desde a lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981.
Quando os governos efêmeros haverão de sujeitar-se ao compasso temporal amplo de políticas de Estado?
Tasso Azevedo, do Mapbiomas, notou em entrevista ao programa Cidades e Soluções, na Globonews, que a questão espinhosa do cálculo da valoração ambiental será discutida na próxima cúpula do clima em Glasgow. O embaixador Rubens Ricupero alertou sobre a seriedade dos europeus na crise climática e as consequências nefastas do desmatamento para os interesses brasileiros. Não será fácil e hoje há iniciativas de pensar a tributação internacional de emissões de carbono.
John Kerry, que ressuscita o ambientalismo responsável no novo governo norte-americano, em conversa na Universidade de Yale, revelou sua visão sobre os caminhos do presente ao futuro no cenário internacional. O mundo debate e pensa adiante.
Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil nos EUA, apontou em artigo no Estado de S. Paulo (27/04/2021), ao mencionar a meta de 2030, a ligação da mineração ilegal de ouro e diamante com a lavagem de dinheiro. Ele citou estudo dos Institutos Escolhas e Igarapé sobre a mineração ilegal.
Estudos sérios não faltam, e sim multiplicam-se, como o recente elaborado do Instituto Centro de Vida, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola e Universidade Federal de Minas Gerais, com apoio do WWF-Brasil sobre a ilegalidade do desmatamento nas fronteiras da Amazônia e do MATOPIBA .
O Brasil, pela sua extensão continental, tem espaço amplo para a conservação e a exploração econômica em bases sustentáveis que agreguem valor no país a partir da nossa riqueza natural. Todos os setores da sociedade sabem disso, os indivíduos em maior ou menor grau, dependendo da consciência e visão de cada um. Mas carecemos de ampla vontade política.
Não é tempo de dividir ou demonizar setores e sim buscar uma via para o país. Uma que seja respeitosamente sincera aos propósitos de união e concertação nacional, acima de vaidades, populismos, messianismos, reducionismos, maniqueísmos, partidarismos e ambições desmedidas.