Roberto,
Esta não é uma carta para você, é uma operação que te usa para angariar curtidas no Instagram.
Já não há distinções entre o ato da criação e da propaganda, cada um de nós só existe na medida em que se publiciza.
Ainda que sendo um informe publicitário, aviso as leitoras e aos eleitores que não há nestas linhas um único fiapo de surrealismo. A realidade matou o surrealismo com seu próprio líquido pulmonar. A realidade ficcional submeteu toda a literatura ao realismo.
O que sobrou do mundo é gerido por tecnocratas yuppies que enriquecem enfiando agulhas invisíveis nos olhos da humanidade.
Algoz é o ritmo dos algoritmos que estupram a imaginação.
Em um bunker do Vale do Silício estão guardadas todas as gotas de porra que cada pau irá jorrar.
jaulas sem fronteiras
bruxarias hitec
a tela fez-se tântrica
Da janela de onde te escrevo vejo a Virgem Maria cagando pedras de crack
e meninos fumando borboletas enquanto árvores cantam em coma na Praça da Sé.
Todas as nuvens agora são de fumaça. O céu é sólido, fuligens de maçarandubas e tamanduás.
A Amazônia em estado de gás carbônico cobriu de noite sua São Paulo numa tarde de segunda-feira.
Sobre teu tumultuado túmulo chovem as fuligens da última família de veados campeiros do Pantanal.
Nós, Roberto, somos os que vivem a carcaça.
O cachorro morto abandonado dentro do Santo Sudário na esquina da minha casa. É dentro dele, Roberto, que eu vou te parir, serei tua mãe, te alimentarei com vísceras e vômito, arrancarei de você, para o seu bem, tudo que não for olho. Sendo homem e tua mãe, não cortarei as unhas dos dois dedos que usarás sobre tela.
Óleo [olho e ódio] sobre tela.
A queda do céu e a subida da bolsa de valores.
Fogo até afogar.
É sobre cifras e labaredas que enterramos o manifesto antropofágico.
Nesta tarde de sábado em que o presidente Lula convence meus amigos anarquistas de que latifundiários da cana são heróis, eu adentro tua biblioteca. Toco meu pau em livros rabiscados por ti, sou tua mãe, Roberto. O ranho do meu nariz eu esfrego com tesão na página 47 do teu exemplar da primeira edição do Macunaíma.
Na tua biblioteca há cabeças de cavalo que tu não podes vestir. Eu pude.
Usurpo cada um dos seus restos tornando-os imagens.
Uso a seringa de compartilhamento de stories para injetar uma dose de dopamina nas veias dos meus olhos.
Neurotransmissões transmitindo neuroses.
É doce o sol deste sábado à tarde, Roberto, você é um bebê lindo no meu colo. Te pari pelo cólon intestinal e te dou de mama pelo cu em meio à orgias de bíblias em branco que comemoram a cura gay enquanto chupo a gravata ereta dum pastor na esquina da Avenida São João.
Rindo te escrevo sobre o fim da infância, Roberto, meu amado filho morto.
Meninos fazem troca-troca numa viela do Youtube.
A última artista viva carrega um carrinho de feira com restos de bonecas pela Avenida Augusta.
O turismo fez do mundo um imenso museu de Auschwitz.
E eu só consigo pensar em te obrigar a usar fraudas ecológicas durante o seu enterro e em quantas curtidas terá este texto.
Que Deus decepado te abençoe!
Um beijo na testa da sua mãe,
Glauco Gonçalves