“O que está rolando por aí, doutor?”
“Guerra de traficantes, atropelamentos de motoboys, explosões de caixas eletrônicos, tiroteios – mas tudo isso você já sabe…”
O cara que respondeu chamava-se Pádua. Era advogado criminalista e metido a sommelier, desses que decoram guia de vinhos pra se exibir em mesa de restaurante. O babaca completou:
“A não ser que você não saiba do assassinato da secretária do doutor Horácio… Uma mulher bonita, jovem, uma vida tão promissora…”
Ele sabia.
O que ele achava que ninguém sabia é que ambos vinham tendo um caso há algum tempo. Estava cada vez mais apaixonado por ela. Dizendo de outro modo, alguém também soube daquele romance e não o engoliu. A morte de Sofia tinha deixado a sua alma no lixo. Ele já tinha se precavido, pois não queria ter o mesmo fim dela. O ex-marido seria o mandante? O velho clichê das histórias repetidas.
Em seguida, foi na direção sul, comprou o jornal, entrou numa lanchonete e pediu café. Leu tudo sobre o caso, mas não havia nada ali que já não soubesse. O enterro seria às 17 horas. A desolação do deserto invadiu o seu peito. Nunca mais a veria, o seu sorriso tímido, os seus olhos tristonhos, o seu jeito acanhado. Ela seria uma lembrança doída em lençóis amarfanhados?
Até a hora do sepultamento, ele tinha de tomar providências. Dirigiu-se ao seu escritório, que ficava num prédio antigo no centro da cidade, e iniciou as ligações. Com alguma dificuldade, localizou o seu informante que era uma espécie de sabe-tudo do bas-fond da cidade e um tipo de auxiliar informal remunerado. Deu-lhe instruções. O encontro seria às 20 horas no bar costumeiro, para avaliações e deduções.
Naquele final de tarde, os ciprestes filtravam a luz de outubro. Um sino bateu em algum lugar. Um pássaro grasnou. Alguém emitiu um soluço, enquanto vozes de pessoas rezando pareciam vir de todas as partes.
Mais triste, impossível; quase gótico.
Ele se dirigiu à aglomeração em torno do caixão, à beira da cova, para as últimas despedidas. Um pastor dizia frases contendo ideias de salvação e consolo, justiça e misericórdia. Ele se aproximou e atirou a rosa vermelha. A última que lhe oferecia como despedida deste mundo e como símbolo de seu efêmero e intenso amor. A flor da vingança, como dizem os melodramáticos.
Os presentes olharam-no com curiosidade. Em seguida, deu as costas à multidão no momento em que os coveiros começaram o trabalho de sepultamento – e abriu caminho, sem olhar para ninguém. Pela dor que o devastava, agia como o enlutado que ignora tudo. Pensar nela só aumentava a sua depressão.
O seu coração – se é que ele ainda tinha algum – estava morto. Desnorteado e infeliz, desviava-se das lápides baixas. Apesar do mal-estar, seguiu adiante. Ninguém gritou o seu nome ou engatilhou uma arma às suas costas.
Antes de ultrapassar o portão, saudou as pombagiras da linha de cemitério, pedindo proteção, e dirigiu-se ao seu carro estacionado do outro lado da rua.
Com base nas informações que receberia dali a pouco, daria início à perseguição. Como investigador particular, já resolvera casos mais complexos. Não importava o número de dias ou de semanas, a morte de Sofia seria vingada – ele prometia enquanto trincava os dentes.