Contemporâneo de Descartes, o pensador francês Blaise Pascal (1623-1670) não se deixou contaminar pelo otimismo racionalista do autor do Discurso do Método e desenvolveu uma filosofia em que sobressai a consciência da condição trágica do homem. Nascido na Dinamarca em 1813, o filósofo Sören Kierkegaard se opôs ao sistema dialético e totalizante criado por Hegel e escreveu uma obra na qual reflete sobre a existência concreta do ser humano, marcada pela angústia, pela culpa e pelo desespero.
Apesar de pertencerem a tempos e culturas distintos, o que aproxima esses dois autores profundamente religiosos – um católico e o outro protestante –, além do fato de nadarem contra a corrente das ideias filosóficas predominantes em suas respectivas épocas, é a pergunta a que ambos procuraram responder: como o coração humano pode encontrar algum consolo diante do silêncio de Deus?
Por caminhos diferentes, os dois pensadores também chegaram a uma resposta semelhante para essa indagação. “O coração tem razões que a razão desconhece” – a famosa frase de Pascal é uma forma de dizer que as luzes da razão, ao contrário do que pregava a vertente cartesiana, são insuficientes para explicar os paradoxos e as contradições inerentes à condição humana. A “razão” do coração é a fé, é ela que salva o homem do abismo. É também somente a fé que, para Kierkegaard, pode redimir os indivíduos, livrando-os da desesperança, do “tremor e do temor” (título de uma das obras mais famosas do dinamarquês).
Formado em filosofia, o cineasta norte-americano Terrence Malick produziu uma curta, mas instigante filmografia, na qual contrapõe um estilo contemplativo e reflexivo ao padrão cada vez mais acelerado e superficial das produções hollywoodianas. No arrebatador A Árvore da Vida (2011), disponível na plataforma Mubi, Malick realiza uma espécie de sinfonia cósmica, composta por uma sequência de imagens cuja beleza, no entanto, também deixa entrever o que tanto atormentou Pascal: a suspeita de que podemos estar irremediavelmente abandonados em meio a esses “silêncios eternos dos espaços infinitos”. Órfãos diante de uma natureza completamente alheia às nossas dores e alegrias.
O filme de Malick enfoca uma família norte-americana nos anos 50 do século passado, cujo patriarca (vivido por Brad Pitt) educa os filhos com grande rigidez e severidade, embora também expresse de vez em quando manifestações de afeto e carinho. A mãe, personagem de Jessica Chastain, é o contraponto à figura paterna, mais compreensiva e permissiva com a prole. Entre idas e vindas no tempo, o cotidiano familiar é abalado com a notícia da morte de um dos filhos, com apenas 19 anos. Algumas décadas depois, o primogênito da família, Jack (vivido por Sean Penn), que fora sempre rebelde e depois torna-se um arquiteto de prestígio, ainda se vê às voltas com o trauma da morte do irmão e a relação conflituosa com o pai.
Narrado dessa forma, o filme parece mais um drama familiar, mas Malick vai muito além disso. A citação do Livro de Jó que abre o filme – “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? … Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” – já dá uma pista. Entre as imagens do cosmos que vão surgindo na tela e a exposição dos conflitos e angústias dos personagens, Malick indaga sobre o sentido da existência e parece propor que a resposta para essa dúvida que nos assombra pode estar na solução de Pascal e Kierkegaard. Ou seja, o caminho é o da graça (ou da fé), que implica um ato de resignação, de aceitação da vida como ela nos é ofertada, de forma a alcançar a “paz e a consolação no seio da dor”, como diria Kierkegaard.
Mas o final do filme também se abre para outras possibilidades. E elas podem estar na filosofia existencial de Camus, que assume o absurdo como algo inerente à existência humana, do qual não se pode escapar. E deriva a liberdade dessa constatação.
Um texto bonito, instrutivo e contributivo, filosoficamente. Gostei muito!
Rosângela que primor de análise, informação e citações. Parece o nó borromeano de Lacan amarrando o Real, o Simbólico e o Imaginário. Queria mais, saber mais da relação que você fez com Camus e as imagens finais do filme, desse buraco que carregamos que só pode ser contornado pela linguagem, base e estrutura da fé. Primeiro, fez-se o Verbo.