[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
Ode negra
Sua beleza é um trovão
E eu me tornei uma peregrina – uma peregrina
Atordoada
Latas caídas no beco ao anoitecer
E sons úmidos
“Ô, baby, veja o que conseguiria se seu nome
fosse Willie”
Oh, mergulhar nas suas palavras como no rapé.
Uma gargalhada, negra e estridente
E eu sou um ser – um ser
Inteiro
Nos corredores da Igreja Batista, gemidos
e sons úmidos
“Abençoe o coração dela. Toma o seu leito e anda.
Você esteve muito sobrecarregada”
Oh, vou lamber seu amor como lágrimas.
Just Give Me a Cool Drink of Water (1971)
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[2]
Desfile de moda antigo
Seus cabelos, modelados, rostos exaustos
ossos salientes, na altura dos quadris,
as modelos desfilavam, suportadas e enfezadas
e depois, faziam biquinhos com os lábios.
Elas tinham um jeito nojento, ostentado como um banner,
enquanto olhavam de cima a baixo, na altura do nariz.
Eu iria para o inferno antes que me vendessem
qualquer coisa que elas vestiam.
Toda a Burguesia Negra diz: “vamos”
quando “bora” é o que querem dizer,
deveria olhar em volta, para cima e para baixo,
antes de ficarem se achando.
“Certamente”, eles juram, “é isso o que eu vou vestir
quando for ao clube de campo”.
Eu os lembraria: por favor, olhem esses joelhos,
ralados de esfregar o chão da patroa.
Juste Give Me a Cool Drink of Water (1971)
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[3]
Canção para meus velhos
Meus Pais se sentam em bancos
suas carnes contam cada paulada
as ripas deixam entalhos escuros
bem fundo nos seus flancos murchos.
Eles acenam como velas quebradas
encerados e queimados profundamente
e dizem “É a compreensão
que faz o mundo girar.”
Nos seus rostos enrugados
eu vejo o palanque do leilão
as correntes e as filas de escravos
o chicote, o açoite e o tronco.
Meus pais falam em vozes que
trituram minha verdade e
dizem “É a nossa submissão
que faz o mundo girar.”
Eles usaram a maior astúcia
inteligência e artimanha
a humildade do Tio Tomming
e os sorrisos da Tia Jemima.
Eles riam para esconder o choro
abreviaram os seus sonhos
e carregaram um país no lombo
para escrever o blues com gritos.
Eu entendo o significado
poderia vir e vem
de viver à beira da morte
Eles mantiveram minha raça viva.
Oh Pray My Wings Are Gonna Fit Me Well (1975)
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[4]
Glória do fim de semana
Alguns irmãos marrentos
não conhecem os fatos,
posam presunçosos
fingem importância,
esticando os pescoços
e forçando suas costas.
Se mudam para condomínios
de alto padrão,
penhoram suas almas
nos bancos locais.
Compram carros grandes
que não podem pagar,
e rodam pela cidade
fingindo tédio.
Se eles querem aprender como viver direito,
deveriam me analisar numa noite de Sábado.
Meu trabalho na fábrica
não é a maior aposta,
mas eu pago minhas contas
e fico fora das dívidas.
Eu arrumo meu cabelo
para meu próprio bem-estar,
para não ter que pentear
para não ter que desembaraçar.
Pego o dinheiro da igreja
e atravesso a cidade
até a casa da minha amiga
onde planejamos nosso rolê.
Encontramos nossos homens e vamos para um lugar
onde toque blues
no ponto certo.
Pessoas escrevem sobre mim.
Eles simplesmente não conseguem ver
como eu trabalho a semana inteira
na fábrica.
Então, me enfeito
e rio e danço
e dou as costas à preocupação
com um olhar atrevido.
Eles me acusam de viver
um dia após o outro,
mas quem eles querem enganar?
Eles fazem o mesmo.
Minha vida não é o paraíso,
mas certamente não é o inferno.
Eu não estou no topo,
mas eu acho que tá tudo bem
se eu sou capaz de trabalhar
e sou paga em dia
e tenho a sorte de ser Negra
num Sábado à noite.
Shaker, Why Don’t You Sing? (1983)
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[5]
Pastor, não me envie
Pastor, não me envie
quando eu morrer
para algum grande gueto
no céu
onde ratos comam gatos
do tipo leopardo
e o almoço de Domingo
sejam grãos e tripas.
Conheço esses ratos
já os vi matar
e com os grãos que eu comi
faria uma colina,
ou talvez uma montanha,
então o que eu preciso
de você no Domingo
é uma crença diferente.
Pastor, por favor, não
me prometa
ruas de ouro
e leite de graça.
Eu parei com todo o leite
aos quatro anos
e, quando estiver morta,
não precisarei de ouro.
Eu chamarei de paraíso puro
um lugar
onde as famílias forem leais
e os estranhos forem legais,
onde a música for jazz
e a estação for o outono.
Me prometa isso
ou não me prometa nada.
I Shall Not Be Moved (1990)
Perfil
Maya Angelou, pseudônimo de Marguerite Annie Angelou, nasceu em 4 de abril de 1928, em St. Louis, no Missouri, e morreu em 28 de maio de 2014, em Winston-Salem, na Carolina do Norte. Sua vida foi surpreendente: poeta, prosadora, jornalista, cantora, atriz, bailarina, cozinheira, prostituta, motorista de bonde. Todas essas vivências levaram-na a escrever sete livros autobiográficos, nos quais, entre memória e ficção, trata de racismo, viagens, questões identitárias e familiares. Foi indicada ao Prêmio Pulitzer e três vezes ao Grammy. Na infância, sofreu abuso sexual, o que lhe causou um trauma extenso, a ponto de ficar cinco anos com mutismo. Tornou-se uma respeitada porta-voz da comunidade negra, e sua obra pode ser considerada uma defesa da cultura afro-americana. Como cantora, viajou por 22 países da Europa apresentando a ópera Porgy and Bess. Atuou ainda em várias peças na Broadway. Com Godfrey Combridge, escreveu Cabaret for Freedom. Na condição de ativista dos direitos civis, aproximou-se de Marthin Luther King. Recebeu apoio de James Baldwin quando escreveu sua primeira autobiografia, I Know Why Caged Bird Sings (1969), que teve indicação para o National Book Award em 1974. Em 1977, mereceu uma indicação ao Emmy por sua atuação em Roots. Embora sem diploma universitário, foi convidada para ser professora de Estudos Americanos na Universidade de Wake Forest, situada na Carolina do Norte. Em 1983, na cerimônia de posse de Bill Clinton, leu o poema “On the Pulse of Morning”. Em 1998, marcou sua estreia como diretora do filme Down in the Delta. Por conta de sua amizade com Oprah Winfrey, foi apresentadora de um programa de rádio. Em 2000, recebeu a Medalha Nacional das Artes, concedida pelo presidente Bill Clinton. Foi autora ainda de livros infantis, artigos e ensaios. Teve um filho aos 17 anos e foi casada duas vezes. Viveu no Cairo e em Acra, onde editou o jornal The Arab Observer. A editora Austral Cultural, de Bauru (SP), publicou em 2020 Maya Angelou – Poesia completa, com tradução de Lubi Prates, do qual foram selecionados os poemas que integram esta coluna.
Agradecida por divulgarem tão importante trabalho, pessoa, mulher de resistência, como eu, minha mãe, minha avó.