Na quinta-feira, 12 de maio, mais de 300 cientistas da rede global de radiotelescópios, formada pelo projeto EHT (Event Horizon Telescope), divulgaram as primeiras imagens do Sagitário A* (lê-se “Sagitário A estrela”, um buraco negro no coração da Via Láctea, com um diâmetro de 44 milhões de quilômetros, mais ou menos 31 vezes maior que o diâmetro do sol – 1,4 milhão de quilômetros).
Eles captaram essas imagens em 2017, sincronizando as antenas dos oitos radiotelescópios que compõem a rede e formando, assim, um único aparelho de alta sensibilidade para observar ao mesmo tempo, e em várias ocasiões, o buraco negro, distante 26 mil anos-luz de nós (cada ano-luz é a distância percorrida pela luz no vácuo numa velocidade de 300 mil quilômetros por segundo – faça as contas).
O que isso tem a ver com Albert Einstein (1879-1955)? Tudo. A imagem final do Sagitário A*, captada em preto e branco, mas que os zelosos cientistas decidiram enfiar uma corzinha “para acentuar sua beleza”, confirmou a forma de um buraco negro previsto por Einstein, quando desenvolveu a Teoria da Relatividade Geral, em 1907, há, portanto, 115 anos.
Descrever a Teoria da Relatividade é um luxo que não posso sustentar. Mas lendo uma das biografias de Einstein, escrita pelo inglês Denis Brian, Einstein: a ciência da vida (Ática,1999), aprendi algumas coisas, entre elas a de que aquela fórmula, que parece um haicai futurista com alto potencial explosivo, E=mc² (leia-se “energia é igual massa vezes aceleração da luz ao quadrado”), significa que quanto maior a velocidade da matéria, mais ela perde massa e ganha energia.
Ou seja, “a matéria que se aproxima da velocidade da luz transforma-se em energia, e a energia cuja velocidade é reduzida transforma-se em matéria”. Por falta de imaginação mais acurada de minha parte, peço que se lembre do carro do doutor Brown, que o Marty McFly acelerou e o fez desaparecer (viajou no tempo, que já é outra história).
Ali, é uma tradução, em parte, desse princípio einsteiniano (com uma boa dose de delírio e poesia). Ou então, pense na bomba atômica, para cuja feitura cientistas quebraram átomo, desacelerando partículas, ganhando massa e explodindo tudo.
Mas, voltando ao cerne da teoria que não sei explicar, a questão principal é que Einstein descobriu que “os objetos se movem num campo gravitacional, e suas trajetórias são determinadas pela curvatura do espaço”, inclusive a trajetória da luz, que se move em partículas isoladas também.
Neste sentido, aceleração e gravidade têm tudo a ver. Os corpos aceleram no espaço, onde incide a gravidade. E aí, como explica John Wheeler (físico teórico americano citado por Brian), “o espaço diz à matéria por onde se movimentar [com a aceleração], e a matéria diz ao espaço onde se curvar [por causa da gravidade]”.
O corpo e a curva
Brian então faz uma leitura das teorias da relatividade especial e geral, explicadas por Einstein no livro Sobre a teoria da relatividade especial e da relatividade geral: uma exposição popular, usando apenas matemática básica. Brian diz o seguinte:
“Imagine, por exemplo, o espaço como uma esteira de borracha esticada. Uma pedra colocada sobre ela criará um afundamento ou uma deformação; quanto mais pesada for a pedra, maior será a deformação. Uma bola rolando sobre a esteira é desviada ao passar perto da pedra; quanto mais perto passar, maior será seu desvio. Se passar muito perto, ficará girando em volta dela sem parar. De forma similar, em nosso universo a radiação e os corpos materiais são desviados pela curvatura do espaço ao redor dos corpos com mais massa. Por isso a Terra orbita ao redor do Sol e a Lua orbita ao redor da Terra; ela segue o caminho de menor resistência criado pela Terra.”
Foi neste sentido que Einstein também disse que a luz de uma estrela “passando perto do Sol seria levemente desviada em sua direção, seguindo a curvatura do espaço criada pela grande massa do Sol”.
Agora imagine um corpo com uma massa 31 vezes maior que a do sol. Vai puxar todos os corpos, inclusive as partículas de luz. O buraco negro é um fenômeno assim, que Einstein havia previsto mais de um século atrás.
A diferença para os corpos compostos de matéria que os físicos conhecem bem, com partículas de prótons e elétrons, é que o buraco negro possui energia e massa escuras, que compõem 96% da matéria do cosmo, segundo Marcelo Gleiser, em Criação imperfeita.
Os cálculos de Einstein, que o levaram a recriar toda a configuração do universo, saíram de sua mente espantosa. Não é à toa que o que ele viu há mais de cem anos com as sinapses de seus neurônios, cientistas só estão vendo agora, depois de construir telescópios gigantes, reunindo-os numa espécie de convenção de bruxos eletrônicos, sendo necessários mais de 300 cérebros para manipular, calcular e juntar imagens desse monstro chamado Sagitário A*.
A confirmação de que a trajetória da luz das estrelas se curva levemente, ao passar pela massa do Sol, e que só poderia ser observado em dia de eclipse solar, longe da poluição já existente nas grandes metrópoles, só veio em 1919, no Brasil (Sobral, Ceará) e na África (ilha do Príncipe, de São Tomé e Príncipe).
Mesmo assim, não foi suficiente para Einstein ganhar o Prêmio Nobel de Física. Ele vinha sendo indicado pelos pares desde 1910, mas era sempre preterido (a explicação posterior foi a do antissemitismo do responsável pela premiação, Sven Hedin, que anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial, seria visto no círculo dos íntimos de Göring, Himmler e Hitler).
Brilhante
Einstein ganhou o Nobel na décima indicação, em 1922, e nem foi pela Teoria da Relatividade, mas por outra brilhante descoberta, a lei do efeito fotoelétrico, que permitiu a criação do controle remoto, por exemplo.
Quando Einstein morreu, cientistas meio que da linha do doutor Moreau retiraram seus olhos e cérebro, com a desculpa de que iriam estudá-lo, numa infinita e malograda tentativa de encontrar o diferencial do gênio.
Hoje, a palavra gênio está obsoleta, é usada como quem usa carroça para transportar areia. Mas, ao longo da história, houve definições muito argutas sobre o que é um gênio. Arthur Schopenhauer foi um desses definidores.
Einstein adorava Schopenhauer, sobretudo seus aforismos. Uma das coisas que ele sempre fazia nas horas vagas, além de tocar violino, era ler filósofos como Aristóteles, David Hume, Nietzsche e Schopenhauer. Depois que desistiu de ler filosofia, o único que continuou lendo foi o autor de O mundo como vontade e como representação.
Um dos aforismos schopenhauerianos que ele gostava de citar, segundo Brian, era “o homem pode fazer o que deseja, mas não pode escolher seus desejos”. Einstein, de fato, achava Schopenhauer um gênio. E é curioso ler a definição do filósofo alemão sobre essa categoria de espírito, porque ela cai muito bem ao seu compatriota.
“Para o homem comum”, diz Schopenhauer em O mundo como vontade e como representação, “a faculdade de conhecimento é a lanterna com a qual ilumina o seu caminho, para o gênio é o sol que revela o mundo”.
A matemática que desenha o universo é complexa à beça. Mas as teorias com as quais físicos teóricos criam narrativas para explicar como tudo isso se sustenta e avança são muito sedutoras para leitores insólitos como este que agora escreve.
Além disso, depois de Einstein, parece que os espaços infinitos ficaram mais bonitos e menos assustadores, mais instigantes. Por isso, seu cérebro de gênio era um tipo de Sol, não só porque nos iluminou, e ilumina ainda, mas também porque sempre nos atraiu. Sempre nos curvamos de alguma forma, quando nossa trajetória se aproxima de seu brilho.
É tudo fantástico, grandioso e explosivo demais, por isso mesmo tão fascinante. Mas na sua escrita fluente e gostosa, com alívios de humor, e rica em referências, a gente percorre mistérios com suavidade. Adorei.
Karla, minha querida! Muito obrigado!