No prefácio de Doze Contos Peregrinos, Gabriel García Márquez revela que a ideia de escrever o livro surgiu no começo da década de 1970, quando ele, morando em Barcelona, teve um sonho ao mesmo tempo estranho e “esclarecedor”. Sonhou que assistia a seu próprio funeral, ao lado de amigos latino-americanos que, apesar do luto fechado, compartilhavam um clima de festa. Ao término da cerimônia, García Márquez tentou acompanhar seus camaradas, mas um deles, de forma severa, o avisou que ele era o único que não podia ir embora. “Só então compreendi que morrer é não estar nunca mais com os amigos”, escreveu o autor.
Segundo García Márquez rememora neste mesmo texto, este sonho lhe foi tão revelador porque também despertou nele uma tomada de consciência da sua própria identidade, da sua condição de latino-americano. Foi, então, que ele concebeu o projeto de escrever uma série de contos cujos protagonistas fossem latino-americanos, exilados da sua terra natal, uma boa parte certamente inspirada em personagens reais que o autor encontrou naqueles anos em que muitos dos seus conterrâneos vagavam como peregrinos pela Europa, escapando da epidemia autoritária que assolava vários países da América Latina.
Curiosamente, em relação ao sonho que lhe dera a ideia do livro – que só veio a ser publicado duas décadas depois, em 1992 –, García Márquez bem que tentou, mas não conseguiu transpor, de uma maneira que lhe parecesse satisfatória, a visão que tivera do seu funeral. No prefácio, ele explica que foi incapaz de traduzir em palavras a “farra” que havia sido o seu enterro onírico. Mas talvez essa dificuldade em falar da própria morte estivesse relacionada ao fato de que, para o autor, o ato de escrever (esse vício “abrasivo e insaciável”, como ele descreve) era, acima de tudo, sinônimo de vida.
“Às vezes me sentia escrevendo pelo puro prazer de narrar, que é talvez o estado humano que mais se parece à levitação”, confidencia García Márquez no mesmo prefácio. García Márquez viveu para contar histórias, e sua necessidade de escrever era tamanha que, nos intervalos entre um livro e outro, se impôs a tarefa de colaborar semanalmente para jornais a fim de “manter o braço aquecido”.
Em Doze Contos Peregrinos, uma das histórias mais cativantes é a de uma misteriosa colombiana que dizia ter poderes premonitórios e que sobrevivia na Europa “alugando seus sonhos”. Um belo dia, essa mulher encontra-se com ninguém menos do que o poeta Pablo Neruda. Este, a princípio, não a leva tão a sério, mas fica impressionado depois que, numa tarde, durante a sesta, sonha que a sonhadora profissional estava sonhando com ele. Nessa mesma tarde, também após a sesta, a colombiana desperta dizendo que sonhara que Pablo Neruda estava sonhando com ela. Sonhos que se cruzam? Histórias que só García Márquez, esse gênio que foi antes de tudo um sonhador inveterado, poderia conceber.
Que delicia de ler, um texto leve e agradável. Sempre gostei de. como escreve a jornalista Rosangela Chaves. Esse e daqueles que voce termina de ler querendo continuar.
Viva nossa escritora.
Delícia, delícia, delícia!’ Parabéns !
Como diz o sambista:
” O corpo a morte leva”
“O nome a obra imortaliza”
João Nogueira