Assim que chegou à cidade, a primeira coisa que ela fez no hotel foi ligar para o meu número. Reconheci a sua voz de imediato: rouca, sensual, pausada, ligeiramente mais grave da que eu tinha ouvido da última vez, se a memória não me trai. Depois de tanto tempo, ela continuava ainda ateando fogo nos meus hormônios.
“Oi, tô aqui, no hotel. Acabei de chegar. Entre logo em contato. Tchau!”
Depois de desligar a secretária eletrônica, disquei para ela e marcamos um jantar de confraternização pelos bons tempos para o dia seguinte. Ela disse que, desta vez, seria pontual.
“Chegarei na hora” – prometeu, fazendo ironia, com risinho malicioso.
Não sabia como elaborar essa fantasia da lembrança, mas pretendia que o nosso jantar fosse um reencontro que provocasse centelhas. Eu guardava tanta expectativa sobre esse momento que me lembrei de uma noite absurda, havia muitos anos, em que quase fomos detonados. Naqueles tempos, a repressão não dava refresco nem mandava flores. Essa história antiga nos unia mais do que as outras. Entre tantas que vivenciamos, uma mesa de sinuca – a mesma bola perdida, para não dizer, a mesma causa perdida, embora a gente amasse o que fazíamos por uma razão simples: a vida é um risco feito de ternuras e compromissos que não se apaga.
Quanto tempo havia em que eu não me sentava, como nos bons tempos, diante dela? Na profusão dos uísques, um depois do outro, a gente discutia música, literatura, cinema, política – as coisas boas e inúteis, mas belas, que nos confundiam e nos empolgavam. Como jovens militantes, nós pertencíamos a uma geração que procurava intervir na ordem obscena que conduzia o país.
Na época, ela era professora de adolescentes antes de se exilar na Europa, vivendo em várias cidades, voltar anos depois e, em seguida, fixar-se no Rio, a despeito de viajar muito pelo continente sul-americano. A andarilha pasmada que examinava o mundo, e dele retirava as suas impressões mais cínicas e sábias. Por causa dos amigos comuns, eu tinha informações fragmentadas de sua vida, algumas me chegavam com notas épicas. Inteligente e sagaz, ela se escondia sob várias efígies. Enquanto isso, fiquei retido num território sangrento, em conflito com a realidade, com medo dos gorilas e de desaparecer nos fumos da noite.
Após tanto tempo, eu iria revê-la agora. Quanto mais eu pensava nas maluquices que tínhamos feito, o meu coração mais batia descompassadamente. Na véspera, fiz reserva num restaurante agradável. Ela se atrasou, pra variar.
“Vinte minutos não são consideráveis, não é mesmo tanto tempo para quem esperou quase a vida inteira por esse reencontro” – ela disse quando chegou, colocando um pacote sobre a mesa. Pela sua notável elegância, perturbava a cabeça dos homens que se encontravam no salão. O seu corpo preenchia escandalosamente o recinto, se o pleonasmo for proveitoso.
Mais uma vez, ela me desconcertou: usava um vestido preto com amplo decote que exibia o seu colo atraente, com insinuações de fendas que só serviam para abrir a imaginação. Fui arrebatado pela sua imagem, que me emudeceu. Naquele instante, eu fazia uma viagem ao passado: diante de mim, como outrora, a sua beleza continuava incólume. Em conclusão, não acreditava no que tinha diante dos olhos: o tempo fora demasiado generoso com ela. A espécie rara, que não é afetada pelo ritmo das passagens.
Depois de tantos anos, aquele reencontro não precisava de palavras. A mulher se bastava – e preenchia todos os parênteses.
Ali, em público, nós nos agarramos sem pudor. Eu explorava nela os encaixes. Nos beijamos – e o meu tesão continuava intacto. Os seus lábios eram pêssegos sedosos. Mais atordoado que mudo, eu misturava passado e presente. Alguma coisa fora do meu controle, que começava a tomar forma, começava ali, naquele momento.
“Que bom te rever!” – exclamou, enquanto nos acariciávamos.
Em seguida, sem esconder o encanto, já sentados à mesa, olhamos intensamente um para o outro e, em uníssono, perguntamos a mesma coisa, como se pertencêssemos a um coral de escola secundária em Edimburgo. Tal como nos bons tempos, a nossa alegre e interminável sede de beber e conversar:
“O velho uísque de sempre?”