[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
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dotes
coleciono mas não leio
cartas antigas, anúncios de almanaque
em latas de goiabada nolasco
sei que estou em permanente mudança
porque todos os dias abro e fecho
gavetas e caixas
no entanto aprendi pouco sobre apostas
e temporais, só sei que levam
muito mais do que trazem.
Balés (2009)
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música do parque
dorotilde
nunca vimos
convulsa
toda vida
de sorriso
no portão
perfume para três
esquinas botava
zonza as alergias
e eu pirraça
de emoções
nas pernas
pensava jamais
fora mordida
nos lábios
e eu bandeirinha
de coração
nos olhos
a aguardaria
até perder
os dentes.
Rua da PadariA (2013)
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molhar as plantas
tudo tem barulho de mar
enceradeira isopor carro
em movimento aerosol
espirro pistola moeda
telha bombardeio cigarro
queimando pia degradê
cãimbra inseto monge
sua vizinha o futuro
tem barulho de mar
na camiseta no quadro
chinelo aeroporto gaiola
panela caverna birita
beijo tem biblioteca
também um curió bola
de chiclete sobretudo
um dinossauro alado
tem mar de todo tipo
de barulho e dentro
de cada mar um ralo
entupido de cabelos.
Rua da PadariA (2013)
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2.
Plantei uma goiabeira
dentro do banheiro
e a cigarra veio
morar comigo
Desde então tomo banho
de óculos, uma sensação
de melancolia molhada
que aprecio
Mas não amo, amor é o que vejo
semear, romper e brotar
da barriga da cigarra
uma parceria:
O canto
é ancestral, adquirido
às vezes peço uma canção
ela não tem ouvidos
Seu olho esbugalhado
de sapo explosivo
o meu inchado
de chorar sem motivo
Estou satisfeita
mas não devo esperar
nada, é como criar
uma sereia.
Ladainha (2017)
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73.
Eu os estranho como um velho conhecido
que não chegou a ser amigo, silêncio cheio
de ilusão e mandioca madura
Poemas de corte, de raspagem, de forma
e de detalhamento: ladainha,
o ritmo é raríssimo de se mamar na musa
Quando resolvo dar-lhes nomes
de olhos abertos nunca sei a medida
do bolo, da Terra, da santidade
Meus poemas agora duvidam entre a pedra
marrom e a pedra verde-sabão, de cara vejo
a suspensão confio a tudo que vai passar.
Ladainha (2017)
Perfil
Bruna Beber Franco Alexandrino de Lima nasceu em Duque de Caxias (RJ) no dia 5 de março de 1984. Reside atualmente em São Paulo. Em 2021, concluiu mestrado em Teoria e História da Literatura na Unicamp. Como autora convidada, já participou de diversos eventos literários no Brasil (Flip, 2013) e no exterior (Göteborg Book Fair, Suécia, 2014). Publicou os seguintes livros: A fila sem fim dos demônios descontentes (2006), Balés (2019), Rapapés & apupos (2012), Rua da PadariA (2013), Zebrosinha (2013), Ladainha (2017) e Uma encarnação em mim: cosmogonias encruzilhadas em Stella do Patrocínio (2022). Além de poeta, é tradutora, artista visual, compositora e pesquisadora. Seus poemas foram publicados na Alemanha, na Argentina, na Espanha, nos Estados Unidos, no México e em Portugal.