“Idiota!”
Ela falou com raiva, sem conter a indignação, olhando-me magoada, do jeito que as mulheres costumam olhar nessas ocasiões de confronto.
Eu me contive e não perdi o prumo. Somente os homens desajustados sentem prazer em humilhar uma mulher. Por viver um conflito embaraçoso, eu ocultava o meu desconforto. Há mulheres pelas quais vale a pena sofrer em silêncio. Eu permaneci mudo, como se a dor que ela sentia estivesse fora do meu alcance.
Naquele exato momento, era uma manhã de abril e por isso o céu mostrava um único e magnífico azul, uma impressão chapada e luminosa. Uma manhã esplêndida e rara. Nós dois estávamos lá, debaixo daquele céu, beligerantes – e por causa de um conflito insípido.
Eu era idiota? Sem me atrever a responder, porque afinal era uma pedra que ela me atirava, eu continuei na minha, isto é, olhando o céu, a ponto de, pelo menos por um momento, sentir que eu não estava ali com ela – e esquecer tudo e mergulhar naquele azul como se atira numa piscina.
Os equívocos, porém, são oscilantes: não há jeito de ficar insensível à mulher – ela sempre me fisgou. Estou, pois, devolvido de novo à realidade – agora despossuído do céu por uns olhos verdes à minha frente, plenos de súplica e ansiedade. Uns olhos que sempre me intrigaram, causando-me insônia: algumas vezes, eu os via, acesos, na noite, como brasas. Acho que era algo assim, se explico bem: o verde de seus olhos confundia-me; o azul do céu elevava-me. Eu nunca fui bom mesmo com a simbologia das cores. Muito menos à noite, quando só existe o manto negro salpicado de estrelas.
“Idiota!”
Disse ela outra vez convicta, enquanto eu, me dispersando, volto ao estupor anterior, do azul que me fascina, azzurro, bleu, blue, acima de minha cabeça, todos os azuis do mundo, em Paris e Lisboa, em Montevidéu e Buenos Aires.
Quem dera que os idiotas tivessem um céu como aquele.
Depois, quando ela pressentiu que eu vacilava entre o azul do céu e o verde de seus olhos, já era tarde para nós dois: a manhã de abril encolhia o seu véu; a tarde, ventrosa, impunha os seus raios quentes; a noite começava a engatinhar sobre as nuvens.
Aí, eu perguntei àquela mulher que eu via ali pela última vez, na acidez da nossa separação repentina:
“Você pode me dar uma carona?”
Até aquele momento, eu não saberia explicar o que tinha sido as nossas últimas semanas. Acho que ela, ao seu modo, lembraria de muitas coisas. Nosso encontro, por pior que tenha terminado, evocaria pelo menos uma canção. (Não vou dizê-la.) Todas as palavras talvez sejam inúteis quando queremos explicar os corpos que lastimam apenas a sua voracidade. As almas dispersas, diferentemente das pombas de Raimundo Correia, vão continuar para sempre vagando. As almas – as boas e as más – não têm hotel.
Antes de abrir a porta, ela disse, escancarando, como era de se esperar, um inevitável rancor:
“Espero que não haja nenhum poste bêbedo à frente.”