[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet]
[1]
Autorretrato
Considerad, muchachos,
Esta lengua roída por el cáncer:
Soy professor en un liceo obscuro,
He perdido la voz haciendo clases.
(Después de todo o nada
Hago cuarenta horas semanales.)
¿Qué os parece mi cara abofeteada?
¡Verdad que inspira lástima mirarme!
Y qué decís de esta nariz podrida
Por la cal de la tiza degradante.
En matéria de ojos, a tres metros
No reconozco ni a mi própria madre.
¿Qué me sucede? – Nada.
Me los he arruinado haciendo clases:
La mala luz, el sol,
La venenosa luna miserable.
Y todo para qué,
Para ganhar un pan imperdonable
Duro como la cara del burgués
Y con sabor y con olor a sangre.
¡Para qué hemos nacido como hombres
Si nos dan una muerte de animales!
Por el exceso de trabajo, a veces
Veo formas extrañas en el aire,
Oigo carreras locas,
Risas, conversaciones criminales.
Observad estas manos
Y estas mejillas blancas de cadáver,
Estos escasos pelos que me quedan,
¡Estas negras arrugas infernales!
Sin embargo yo fui tal como ustedes,
Joven, lleno de belos ideales,
Soñé fundiendo el cobre
Y limando las caras del diamante:
Aquí me tienen hoy
Detrás de este mesón inconfortable
Embrutecido por el sonsonete
De las quinientas horas semanales.
Poemas y antipoemas (1954)
Autorretrato
Considerem, rapazes,
Esta língua roída pelo câncer:
Sou professor de um colégio obscuro
E perdi a voz de tanto dar aulas.
(Depois de tudo ou nada
Faço quarenta horas semanais.)
Que tal minha cara esbofeteada?
Verdade que dá pena só de olhar!
O que acham deste nariz apodrecido
Pela cal de um giz tão degradante?
Em matéria de olhos, a três metros
Não reconheço minha própria mãe.
O que aconteceu? – Nada!
Acabei com eles de tanto dar aulas:
A luz ruim, o sol,
A venenosa lua miserável.
E tudo isso para quê?
Para ganhar um pão imperdoável
Duro como a cara do burguês
Com sabor e cheiro de sangue.
Para que nascemos como homens
Se nos dão uma morte de animais!?
Às vezes, pelo excesso de trabalho,
Vejo formas estranhas pelo ar,
Ouço corridas insanas,
Risadas e conversas criminais.
Vejam só estas mãos,
Estas bochechas brancas de cadáver,
Estes poucos cabelos que me restam
E estas negras rugas infernais!
No entanto, eu fui assim como vocês
Jovem, cheio de belos ideais,
Sonhei que fundia o cobre
E limava as faces do diamante:
E hoje aqui estou eu
Atrás dessa mesa desconfortável
Embrutecido pelo lenga-lenga
Das quinhentas horas semanais.
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[2]
Advertencia
Yo no permito que nadie me diga
Que no comprende los antipoemas
Todos deben reír a carcajadas.
Para eso me rompo la cabeza
Para llegar al alma del lector.
Déjense de preguntas.
En el lecho de muerte
Cada uno se rasca con sus uñas.
Además una cosa:
Yo no tengo ningún inconveniente
En meterme en camisa de once varas.
Versos de salón (1962)
Advertência
Eu não aceito que ninguém me diga
Que não compreende os antipoemas
Todos devem rir às gargalhadas.
Por isso quebro a cabeça
Para chegar à alma do leitor.
Chega de perguntas.
No leito de morte
Cada um se coça com as próprias unhas.
Mais uma coisa:
Eu não vejo nenhum inconveniente
Em me meter numa boa enrascada.
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[3]
Cronos
En Santiago de Chile
Los
días
son
interminablemente
largos:
Varias eternidades en un día.
Nos desplazamos a lomo de mula
Como los vendedores de cochayuyo:
Se bosteza. Se vuelve a bostezar.
Sin embargo las semanas son cortas
Los meses pasan a toda carrera
Ylosañosparecenquevolaran.
Canciones rusas (1967)
Cronos
Em Santiago do Chile
Os
dias
são
interminavelmente
longos:
Várias eternidades num só dia.
Nos deslocamos em lombo de mula
Como os vendedores de charque:
Bocejamos. Voltamos a bocejar.
No entanto as semanas são curtas
Os meses passam em disparada
Eosanosparecemvoar.
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[4]
Agnus Dei
Horizonte de tierra
astros de tierra
Lágrimas y sollozos reprimidos
Boca que escupe tierra
dientes blandos
Cuerpo que no es más que un saco de tierra
Tierra con tierra – tierra con lombrices.
Alma inmortal – espíritu de tierra.
Cordero de dios que lava los pecados del mundo
Dime cuántas manzanas hay en el paraíso terrenal.
Cordero de dios que lavas los pecados del mundo
Hazme el favor de decirme la hora.
Cordero de dios que lavas los pecados del mundo
Dame tu lana para hacerme un sweater.
Cordero de dios que lava los pecados del mundo
Déjanos fornicar tranquilamente:
No te inmiscuyas en esse momento sagrado.
Obra gruesa (1969)
Agnus Dei
Horizonte de terra
astros de terra
Lágrimas e soluços reprimidos
Boca que cospe terra
dentes moles
Corpo que não é mais que um saco de terra
Terra com terra – terra com minhocas.
Alma imortal – espírito de terra.
Cordeiro de deus que lava os pecados do mundo
Me diga quantas maçãs há no paraíso terreno.
Cordeiro de deus que lava os pecados do mundo
Faça o favor de dizer as horas.
Cordeiro de deus que lava os pecados do mundo
Me dê sua lã para eu fazer um suéter.
Cordeiro de deus que lava os pecados do mundo
Nos deixe fornicar tranquilamente:
Não se intrometa nesse momento sagrado.
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[5]
El anti-Lázaro
Muerto no te levantes de la tumba
qué ganarías con resucitar
una hazaña
y después
la rutina de siempre
no te conviene viejo no te conviene
el orgullo la sangre la avaricia
la tiranía del deseo venéreo
los dolores que causa la mujer
el enigma del tiempo
las arbitrariedades del espacio
recapacita muerto recapacita
que no recuerdas cómo era la cosa?
a la menor dificultad explotabas
en improperios a diestra y siniestra
todo te molestaba
no resistías ya
ni la presencia de tu propria sombra
mala memoria viejo ¡mala memoria!
tu corazón era un montón de escombros
– estoy citando tus propios escritos –
y de tu alma no quedaba nada
a qué volver entonces al infierno del Dante
¿para que se repita la comedia?
qué divina comedia ni qué 8/4
voladores de luces – espejismos
cebo para cazar lauchas golosas
esse sí que seria disparate
eres feliz cadáver eres feliz
en tu sepulcro no te falta nada
ríete de los peces de colores
aló – aló me estás escuchando?
quién no va a preferir
el amor de la tierra
a las caricias de una lóbrega prostituta
nadie que esté en sus 5 sentidos
salvo que tenga pacto con el diablo
sigue durmiendo hombre sigue durmiendo
sin los aguijonazos de la duda
amor y señor de tu propio ataúd
en la quietud de la noche perfecta
libre de pelo y paja
como si nunca hubieras estado despierto
no resucites por ningún motivo
no tienes para qué ponerte nervioso
como dijo el poeta
tienes toda la muerte por delante
Hojas de Parra (1985)
O anti-Lázaro
Morto não se levante dessa tumba
o que ganharia em ressuscitar
uma façanha
e depois
a rotina de sempre
não te convém meu velho não convém
o orgulho o sangue a avareza
a tirania do desejo venéreo
as dores causadas pela mulher
o enigma do tempo
as arbitrariedades do espaço
reconsidere morto reconsidere
já se esqueceu de como eram as coisas?
qualquer dificuldade você já explodia
em impropérios a torto e a direito
tudo te incomodava
você não suportava mais
nem a presença da sua própria sombra
memória fraca velho memória fraca!
seu coração era um monte de escombros
– estou citando os seus próprios escritos –
e de sua alma não restava nada
pra que voltar ao inferno de Dante
pra que se repita toda a comédia?
que divina comédia nem milonga
fogos de artifício – ilusão de ótica
isca pra caçar ratos gulosos
isso sim seria um disparate
você é feliz cadáver é feliz
neste sepulcro não te falta nada
você não tem com que se preocupar
alô – alô está escutando?
quem é que não iria preferir
o amor da terra
aos carinhos de uma triste prostituta
ninguém que esteja em seus 5 sentidos
a não ser que tenha pacto com o diabo
fique deitado homem fique deitado
sem as aguilhoadas da incerteza
amo e senhor do seu próprio ataúde
na quietude da noite absoluta
livre de tormentos e canseiras
como se nunca tivesse estado em pé
não ressuscite por nenhum motivo
não tem por que você passar nervoso
como disse o poeta
você tem a morte inteira pela frente
Perfil
Nicanor Segundo Parra Sandoval nasceu em 5 de setembro de 1914 em San Fabián de Alico, cidade a 400 quilômetros de Santiago do Chile, e morreu em La Reina no dia 23 de janeiro de 2018, aos 103 anos. Violeta Parra e Roberto Parra Sandoval, músicos prestigiados, foram seus irmãos. Estudou matemática e física. Fez pós-graduação na Universidade Brown (EUA) e, em 1975, passou a lecionar na Universidade do Chile. Na década de 1960, tem seus poemas traduzidos para o inglês por Ferlinghetti, Ginsburg, William C. Williams, Thomas Merton, entre outros. Em 1965, publicou Poesía soviética rusa, uma antologia organizada e traduzida por ele após viagem à URSS. Foi assunto de dois documentários: Cachureo (Apuntes sobre Nicanor Parra), de 1977, e Nicanor Parra ’91, de 1991. Recebeu o Prêmio Reina Sofía de Poesia Ibero-americana (2001), Prêmio Cervantes (2011) e o Prêmio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda (2012). Em 2018, com seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet, a editora 34 publicou Só para maiores de cem anos, uma antologia que reúne poemas de sete livros. Em Poemas y antipoemas (1954), criou o estilo “antipoesia”, que pode ser descrito como oposição ao lirismo retórico e solene praticado sobretudo por Huidobro e Neruda, em que o coloquial e o popular são valorizados. Ermira Cultura destaca a seguir alguns títulos de livros desse autor com vasta obra e pouco divulgado no Brasil: Cancionero sin nombre (1937), Poemas y antipoemas (1954), La cueca larga (1958), Versos de salón (1962), Manifesto (1963), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Los profesores (1971), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1979), Chistes para desorientar a la policía (1983), Poesía política (1983), Hojas de Parra (1985), Lear Rey & mendigo (2004), Obras completas (2006).
Muito lindo Luís. Muito especial sia curadoria. Poemas sangrados.