[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
menina
vem
diminuir minha idade
e deixar uma quantidade
dos meus anos
na terra
onde você
descalça sorri
tem o cheiro
do milagre
das sementes
eu não imaginava
um dia
estar de frente
a um poema
do tamanho de uma
floresta
aqui
cada vez mais
leve
cada vez mais
dentro
encontro uma palavra
mais forte que o amor
água
***
[2]
Deusa de Ébano
se não houver vento
sussurro seu nome nas velas
de meu desejo fenício
enfrento as incertezas dos mares
e o destino faz funcionar meu peito
pulsando bússola
para que eu não dependa
das estrelas ou da lua
das estrelas e da lua
eu quero apenas a certeza
de que sem ela
nenhuma noite é completa
é assim que as noites passam mais rápido
faço companhia para estrelas e lua
todos esperando da sua pele
a luz
o sol tem a missão
de evaporar meu suor
e deixar minha carne conservada
com sal
é assim que meus músculos
estarão temperados
para o seu corpo
quando eu chegar
a primeira coisa que farei
é dar um beijo no solo
África
***
[3]
Totem
músculos em duas colunas
me erguem
onde apoio
sustentam a esperança
uma benção
derramada em curvas
de cintura e ventre
e estou pronto
para beber fogo e água
a fé
que não se apaga
no dia que não terei mais sede
o tronco ensina novas matérias
a física quântica das costas
a química fina do peito
meu primeiro dia de aula
de geometria e espaço
ombros sem braços
para eu não esquecer
árvores africanas
me abraçam
e começo a respirar
e a contar o tempo
renovável
de uma mulher
de rosto negro
sagrado
***
[4]
porcionamento
sigo uma dieta
datada
das eras de viver de cores
eram tempos
de fartura
orgânica
as cores me davam
de comer
a saudade
essa vasilha térmica
a conservar
as sobras
de palavras
tem meu plano alimentar
para dias de racionamento
na falta de saciar
um verso faminto
pede-se um talher
de doce
é que hoje
pode teu sorriso
no lanche da tarde
um pedaço pequeno
de comer com os olhos
de sal
***
[5]
tear
tecer
a linha da palavra
crua
ser
de tua pele
fio
ter
de teu arrepio
trama
e no tecido da entrega
não mais minha
toda tua
teço
uma palavra nua
teu corpo
a parte têxtil de teu corpo
algodão linho ou seda
o papel se descobre
fendas em febre
a derreter grafite
para a urdidura da poesia
de manhã
de tarde
de
noite e
dia
teço
a ma nheço
en tar deço
a noi teço
AL-Chaer é a grafia correta do sobrenome árabe de Alberto Vilela Chaer, brasileiro, neto de imigrantes libaneses, nascido em Uberlândia (MG) em 11 de agosto de 1963. Mora em Goiânia (GO) desde 1968. Mestre em Engenharia Civil pela PUC-Rio (1991), ensina para os cursos de Engenharia na PUC Goiás (desde 1989) e na UFG (desde 2009). Em 2006, publicou o livro partitura (Editora UCG), de poesia. Seus poemas aparecem em várias antologias, impressas em meio físico e em meio digital. É também artista visual com participações em diversas mostras de poesia visual, nacionais e internacionais. Seu próximo livro de poemas, Lentes, será publicado em breve pela Mondru Editora.