O corpo do homem magro e comprido, com uma suástica tatuada no ombro direito, estava caído ao lado do balcão. Na região torácica, o sangue espalhava-se, começando a coagular uma mancha disforme na cor ferrugem, como se o piso representasse uma tela na qual havia um esboço casual de um artista urbano. Sem mais nem menos, duas moscas varejeiras apareceram e começaram a voejar alvoroçadas em torno do cadáver.
O morto tinha a boca semiaberta, os olhos escancarados, como se guardasse um espanto. Estava vestido de modo simples, a não ser pelo detalhe das meias, cuja cor não combinava com as calças largas, de brim esgarçado. O seu braço esquerdo repousava ao lado do quadril, a mão fechada, enquanto o outro estava dobrado embaixo das costas. Um tiro tinha feito um buraco feio no seu pescoço. Nenhum morto deveria ser exposto daquela forma.
No recinto, como tartarugas emborcadas, várias mesas e cadeiras estavam com as pernas para cima, para as quais ninguém dava atenção. Além desses móveis fora de ordem, havia copos e cinzeiros quebrados em vários cantos. O piso molhado de bebida, sem considerar as garrafas e os porta-guardanapos espalhados – tudo sugeria a polvorosa dos clientes que tentavam se proteger quando os tiros pipocaram.
No interior do bar, um grupo de pessoas, mais ou menos recuado, olhava para o morto, como se a violência fosse um prazer visual, uma cena corriqueira. Uma mulher jovem, amparada por um negro, chorava baixinho, estremecendo o corpo, enquanto olhava para um ponto indeterminado. Porque a morte é uma alça pesada, todos em pé demonstravam temor e nervosismo.
Se pensarmos na presença da autoridade, dois policiais fardados controlavam os ânimos – um, na porta, impedia que os curiosos do lado de fora se aproximassem; o segundo, por sua vez, impunha calma dentro do bar, já que tinha uma arma na cintura e três insígnias no ombro.
Foi, portanto, esse cenário que o delegado Xavier encontrou quando entrou no estabelecimento. Dois agentes o acompanhavam.
Eles examinaram com algum cuidado a cena do crime e, em seguida, o Instituto Médico Legal foi acionado. Na burocracia policial, havia uma perícia a ser feita, investigações e inquérito.
Como dever de ofício, o delegado perguntou logo, de modo incisivo:
“Quais são as testemunhas? Quero elas reunidas logo ali, e é pra todo mundo abrir o bico” – e apontou o local, onde ficava a cozinha.
O dono do bar e seis fregueses que conheciam Jonas dirigiram-se sem reclamar para o ponto indicado, ao mesmo tempo em que o policial da porta continha os curiosos renitentes.
“O Touro Louco chegou atirando no Jonas” – disse, inconformada, a mulher que soluçava.
“Ele era meu namorado. A gente estava planejando ir pros Esteites…”
O negro, por sua vez, completou:
“Doutor, ele não pôde se defender, quase levei tiro também. Foi um acerto entre eles. O Touro Louco é o pior traficante do bairro, um homem sem alma.”
O delegado, que não tinha perguntado nada, arrumou o cabelo, olhou o relógio e ordenou para os agentes:
“Quero essa cambada toda lá na delegacia agora, para os depoimentos.”
As testemunhas saíram sendo empurradas pelos agentes, no momento em que o camburão encostava na calçada. Quando a aglomeração já começava a se dispersar, o delegado Xavier consultou o relógio mais uma vez e pensou, coçando ansiosamente a cabeça, um veio de decepção enrugando a testa:
“Mas que bosta! Vou perder de novo a novela…”