Naquele domingo de manhã, eu estava na feira da rua Minerva, mas não pretendia comprar nenhuma couve – o meu assunto ali era outro, urgente e perigoso. Um mero acerto de contas.
Estava naquele logradouro para bater pregos num caixão – não num engradado de cebolas.
Segundo indicava o folheto do hotel, essa feira era a maior da cidade. Consultei o meu relógio, que marcava 12h20. Estava no local previamente combinado – a banca de mexericas. E, sem mais nem menos, lembrei que aquele relógio herdado do meu avô não se atrasava nunca – não havia suíço mais pontual em Lausanne ou em Zurique.
Se não me confundira, ele tinha agendado às 12 horas. Eu nunca me enganava. No meu código de honra, vinte minutos de atraso significa um desrespeito – o maior que um matador da minha estirpe pode sofrer, se o alvo, é claro, não tiver outros compromissos no mesmo horário, que não foram previamente comunicados, o que não era o caso.
Para amenizar a afronta, passei a admirar o conjunto de frutas expostas com zelo em fileiras simétricas, tanto na horizontal quanto na vertical, num arranjo agradável. Pensando que essa composição parecia uma natureza-morta, perguntei ao vendedor, só pra queimar tempo:
“A mexerica é vendida por peça ou por peso?”
O homem riu um pouco, achando que tinha fisgado um besta – e respondeu:
“Si quieres por peso es un precio; se quieres por pieza es outro precio” – e descreveu o arranjo das frutas com um gesto largo.
O feirante era um paraguaio metido a engraçadinho. Como odeio guarânias, não suporto frases alternativas e, mais ainda, deploro o fraseado de suas harpas, respondi:
“Ora, ora, parece que te gustan los juegos de palabras” – e não pude completar a frase porque uma bala passou sibilando perto da minha cabeça. E aí vi uma mexerica estourar na minha frente, as sementes espalhando-se como pingos d’água, e vi outra e mais outra – todas se decompondo como em uma cena em câmera lenta de um filme de Peckinpah.
E vi também o paraguaio caído num canto, o feirante baleado por acaso no palco das discórdias, das quais ele nada sabia.
Nesse ponto, sentia-me mesmo um otário por ter baixado a guarda e me deixado seduzir pela beleza das frutas. Mais que rápido, vislumbrei-o enquanto tentava escapar dos seus tiros. Ele estava em cima de um caminhão. Tudo agora passava a ser uma questão de mira infalível, para que aquele atirador desagradável vestisse logo o seu paletó de madeira.
Depois de proteger-me, as mãos livres, pude sacar a arma. Rolei em seguida para baixo da banca de legumes e, com a Beretta destravada, usando o olho privilegiado que poucos têm, só precisei mirar duas vezes. Uma bala, com certeza, atravessou a sua cabeça. Vi quando o corpo despencou. A outra se perdeu, já que ninguém é perfeito.
Passada a confusão do tiroteio, os feirantes correram em minha direção para me agradecer. Eles falavam todos ao mesmo tempo – mas só escutei a voz chorosa do menino:
“Fedaputa, você matou o meu padrinho!”
Ainda bem que a voz chorosa do garoto foi sufocada pela algazarra dos comerciantes que eram explorados pelo mafioso que acabara de ser despachado. O administrador da feira em seguida entregou-me um pacote e falou em tom cerimonioso:
“Você apagou o chefe da Máfia dos Melões. Nossos negócios terminam aqui. Nunca mais apareça por estas bandas, a não ser que seja chamado de novo. Essa história ainda vai feder. Onde houver um capanga das curcubitáceas, a sua vida estará sempre por um fio.”
Me autoavaliando naquele momento, achei que tinha executado bem o meu trabalho e recebido uma bolada e tanto por ele. Guardei o meu dinheiro – e caí fora daquela cidade esquisita que tinha máfia de tudo quanto era negócio e nenhuma valia a bosta que vi um gato enterrar morosamente naquela tarde de céu anilado, quando me dirigia ao aeroporto num táxi.