O Projeto Ensaios foi conhecer a Van Filosofia, um projeto que gravou episódios sobre diversos temas filosóficos com pessoas comuns, nas ruas de Campo Grande (MS), mostrando que a filosofia não só é uma matéria atual, como faz parte do cotidiano das pessoas, refletindo temas como violência, consumo, ética, corrupção e amor. Conheça um pouco mais sobre esse projeto, que também passará na TV aberta, com o seu produtor executivo, Carlos Diehl. Nesta entrevista, Diehl fala sobre como surgiu a ideia, as dificuldades para a sua realização e mostra que é possível levar a ambientes públicos o debate sobre a filosofia e as ciências humanas no mundo de hoje.
Como surgiu a ideia do Van Filosofia e quais as principais dificuldades para começar a execução do projeto?
O projeto Van Filosofia nasceu em uma discussão criativa entre eu e as diretoras e roteiristas Rosiney e Lu Bigattão, quando a Rô Bigattão comentou como eram filosóficas as voltas de gravações, em que a equipe voltava dentro de uma van, todos cansados, mas com criatividade e sensibilidade à flor da pele, e que rolavam altos papos sobre questões essenciais à vida e como filosofavam sobre isso. Como no edital do Prodav [Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro, do governo federal] das TVs públicas tinha uma linha de financiamento a programas que falassem sobre filosofia para as classes C e D, foi um pulo ver como poderia ser produtivo colocar pessoas diferentes para falar sobre suas vidas e descobrir a filosofia por trás disso. Os maiores problemas que enfrentamos foi o governo anterior suspender o pagamento do edital, por fomentar a “ideologia de gênero”, que conseguimos reverter na justiça. Também enfrentamos um desafio adicional por conta da pandemia, que encareceu o projeto e dificultou muito as gravações pelas questões de biossegurança.
O projeto mostra que muitos problemas atuais já foram discutidos por diversos filósofos, desde a Antiguidade até a atualidade. Se o projeto tivesse que responder para que serve a filosofia, quais seriam os principais pontos a destacar a respeito da importância do estudo dessa disciplina?
A gente filosofou muito sobre isso ao longo do processo de produção da Van Filosofia. Acho que dá pra falar que a filosofia é uma amiga invisível que serve para nos ajudar a refletir sobre a vida, os problemas cotidianos, o sofrimento, as alegrias, as decisões, evitar os preconceitos e a nos guiar por um caminho mais ético, não só na política, mas em relações e interações sociais e com o mundo.
“Acho que dá para falar que a filosofia é uma amiga invisível que serve para nos ajudar a refletir sobre a vida”
Depois de pronto o projeto e episódios gravados, quais foram os momentos mais marcantes para a equipe?
Tivemos vários momentos marcantes, como no episódio sobre preconceito, que a gente colocou perfis muito diferentes, num momento político muito conturbado, temendo que pudesse gerar briga, mas acabou sendo um espaço de aceitação do outro e das diferenças. Ou no momento em que fomos com uma das nossas personagens à sua cooperativa de catadores de materiais recicláveis e percebemos que aquela pessoa que tinha tão pouco ajudava tanta gente, sempre com um sorriso no rosto e com lições de vida e sabedoria que emocionavam a equipe inteira.
Como foi feita a pesquisa sobre as pessoas que participaram do projeto e como eram tomadas as decisões sobre os participantes?
A pesquisa dos personagens foi muito complexa, foi capitaneada pela Fernanda Kunzler, que levantou e entrevistou mais de 100 pessoas para chegarmos aos 35 personagens. Queríamos pessoas com histórias de vida interessantes, que conversassem bem, mas não estivessem na mídia e pudessem compor um painel multifacetado da sociedade. Tivemos muita dificuldade em conciliar as pessoas com as datas de gravação e o medo da Covid, sem falar que muitos personagens ficavam impedidos de gravar no dia por terem sido contaminados pela doença e tínhamos que correr atrás de outros.
Há algum episódio que foi mais marcante ou mais difícil em termos de produção ou de tema?
Acho que o episódio mais difícil foi O que pressa é essa. Deu muita coisa errada, começamos gravando em um cemitério, caiu um temporal, tivemos que fazer tudo muito corrido, tínhamos um personagem que ficava entrando e saindo, que era um motoboy, que só tinha um dia pra gravar e tinha vários compromissos para ganhar a vida. Sem falar que tivemos que improvisar um estúdio de ioga, por causa da chuva. Nosso plano B, um estúdio já preparado, nos deu o cano, sem falar das quebras de equipamentos e cenário. Além de discussões entre a equipe. Mas no fim foi bom, porque mudamos de perspectiva e de postura diante dos problemas.
Para finalizar, o projeto Van Filosofia tem perspectiva de continuar? Se sim, já estão pensando em novos temas?
Temos bastante perspectivas de continuar e ter novas temporadas. Precisamos circular primeiro nas emissoras públicas, mas já estreamos como um dos principais programas da nova programação da TV Brasil nacional e isso nos deixou bastante animados. Agora já temos encontros previstos com emissoras e distribuidoras para tratar de melhorar a distribuição e negociar novas temporadas.
[Revisão de Ana Tercia e Gabriel Santana. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
A entrevista é o segundo texto da sétima edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira o outro texto publicado:
- Efígie, de Paola Dias Bauce, disponível em: https://ermiracultura.com.br/2024/06/01/efigie/.