[Coautor: Flávio Amorim da Rocha[1]]
Há anos, temos ouvido sobre canudos de metal e xampu em barra. Agora, embora não esteja claro como deveria, já é tarde para entender que os reais responsáveis pela crise climática não somos nós da classe trabalhadora.
Graças ao capitalismo e a sua expansão desenfreada, o aquecimento global ameaça a vida na Terra há algum tempo, e agora estamos observando apenas a ponta de um grande iceberg de consequências. Ao mesmo tempo, nem a evidente crise climática é capaz de abalar as estruturas capitalistas, visto que esse sistema vive nas profundezas das mentes mundiais e perdura como o único sistema compatível com uma “natureza humana”.
A ideia de que o capitalismo é o único sistema realista, ou a de que uma sociedade sem fome e com valorização do trabalhador é utópica, está arraigada ao imaginário coletivo desde as décadas de 1980 e 1990. Com a dissolução da União Soviética, um aparente fim da disputa de sistemas é iniciado, e o capitalismo torna-se dominante, podendo expandir-se livremente.
Com o neoliberalismo, essa divulgação é intensificada, embora não esteja claro, de modo algum, que a sociedade abraça de forma consciente essa nova doutrina. Contudo, a sensação de não ter escolha, reforçada pelas propagandas políticas, domina a todos, como se esse fosse o único sistema realista, como se fosse perda de tempo lutar contra.
O escritor e pensador de esquerda Mark Fisher descreve muito bem esse posicionamento em seu livro Realismo capitalista. Ele fala sobre a construção da ideia de uma ineficácia de resistir, já que o capitalismo está tão indireta e diretamente incorporado à sociedade atual que nem mesmo os movimentos anticapitalistas são opostos a ele, considerando que buscam apenas tentar remediar seus piores efeitos, normalmente por meio do próprio consumo. Na obra, ele defende que a realidade em que vivemos faz com que nos esqueçamos de que a obtenção desenfreada de lucro a curto prazo não é uma necessidade humana, e, portanto, acabamos acreditando que isso é apenas uma consequência de um processo de evolução. Acaba sendo mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
Não podemos nos esquecer de que os que mais destruíram o planeta são os mesmos que agora planejam um apartheid climático bem embaixo dos nossos narizes. Não estamos mais falando sobre salvar “apenas” os ursos polares, estamos falando sobre salvar a vida no planeta. Mas, como já esperado, o apocalipse não é suficiente para abalar o mercado, que em países europeus e norte-americanos já vende as ideias maravilhosas de engenharia ambiental, que, como tudo que vem dos “países de primeiro mundo”, obviamente vai tornar a vida dos grupos privilegiados mais fácil.
Em estimativa, de acordo com Banco Mundial, esses “desastres” ambientais farão com que cerca de 216 milhões de pessoas tenham que deixar as regiões onde moram até 2050. Para fins de ilustração, imagine que um país com boa infraestrutura está passando por uma seca e usa de meios artificiais para dissipar o calor e gerar mais chuvas. Certo. É a ciência melhorando as condições de vida. Mas de quem? Um lugar com menos infraestrutura acabaria ficando mais quente e seco, e não haveria o que fazer quanto a isso, até que essa região se tornasse inabitável.
Nós, brasileiros, vivemos em um país latino, embora exista uma negação dessa identidade, principalmente pela visão direitista na nossa política. Certamente, seremos um dos mais afetados pela situação climática atual. No entanto, não parece haver mais nada a ser feito. Vamos apenas viver o tempo que nos resta de olhos e ouvidos tampados, evitando olhar para cima.
[Revisão de Flávio Amorim da Rocha. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
Referências
FISHER, Mark. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
G1/ Globo. Refugiados climáticos: 17 milhões de pessoas na América Latina poderão ser forçadas a migrarem até 2050. 13 de maio de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/13/refugiados-climaticos-17-milhoes-de-pessoas-na-america-latina-poderao-ser-forcadas-a-migrarem-ate-2050.ghtml. Último acesso em: 20/05/2024.
[1] Professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Língua Inglesa do campus Campo Grande do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: flavio.rocha@ifms.edu.br
O artigo é o quarto texto da sétima edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros textos publicados:
- Efígie, de Paola Dias Bauce, disponível em: https://ermiracultura.com.br/2024/06/01/efigie/.
- “Van Filosofia”: um passeio pelas ruas de Campo Grande, de Herma Aafke Suijekerbuijk, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/08/van-filosofia-um-passeio-pelas-ruas-de-campo-grande/
- Superação e retorno à metafísica, de Cristian Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/15/superacao-e-retorno-a-metafisica/.