[Coautores: Weiny César Freitas Pinto[1]e Natasha Garcia Coelho[2]]
Podemos definir a psicanálise como um método terapêutico criado por Sigmund Freud (1856-1939), um neurologista austríaco que desenvolveu ferramentas clínicas de tratamento para investigar e tratar patologias originadas em conflitos advindos da psique. Por meio do método da associação livre, o paciente precisa colocar o que lhe vem à mente em palavras, cabendo ao analista interpretar esse material ao trazer à consciência os conteúdos inconscientes. Explicando de uma maneira menos formal e com uma pequena dose de humor, podemos considerá-la uma “tecnologia” criada por um médico há mais de cem anos que permite às pessoas enxergarem o próprio avesso simplesmente se escutando.
Naturalmente, a aplicação prática do método de análise criado por Freud é constituída de algumas ferramentas que são como instrumentos do analista. Além da associação livre, podemos adicionar a interpretação dos sonhos, pois estes carregam informações importantes sobre os conteúdos escondidos no inconsciente e, mesmo que sejam mostrados de maneira simbólica, eles conectam informações essenciais para o processo de análise. Com efeito, uma das ferramentas básicas e que exigem maior domínio do analista é a interpretação da transferência. Esta pode ser definida, de acordo com Freud (1996b, p. 115), como a tendência do paciente de projetar no analista sentimentos, comportamentos e percepções para obstaculizar a continuidade do processo, uma espécie, portanto, de resistência ao tratamento.
Mas, então, como um fenômeno que, claramente, tende a atrapalhar o desenvolvimento do processo terapêutico pode ser considerado um dos principais instrumentos do analista? A resposta precisa considerar dois pontos importantes: o primeiro é a capacidade do analista de identificar quando ocorre a transferência e por que está aparecendo naquele momento específico. As resistências são radares que sinalizam a proximidade de rememoração de conteúdos traumáticos, momento em que a mente trabalha para que isso não ocorra (FREUD, 1996b, p. 115). O segundo ponto importante, e talvez pouco “popular”, é o vínculo existente entre a dupla analista-paciente, pois, de acordo com Freud (1996c, p. 446), uma relação de dependência afetuosa do paciente para com seu analista é a maneira mais potente para o paciente conseguir superar os obstáculos das resistências e manter-se no processo de análise. Esse vínculo pode ainda facilitar as “confissões” do paciente durante as sessões de análise, e isso ocorre porque, juntamente com o vínculo, estabelece-se uma relação de confiança entre a dupla.
Portanto, o vínculo entre o paciente e o analista confere credibilidade às intervenções do profissional. Essas intervenções são variadas e referem-se a situações nas quais o analista elabora e interpreta o que é dito pelo paciente, acrescentando um sentido e/ou significado, em geral não compreendido pelo paciente, e que tem o objetivo de ajudá-lo a dar-se conta de alguma informação importante – credibilidade. É justamente essa credibilidade que será o facilitador para que o paciente consiga compreender as interpretações e, consequentemente, ampliar a sua percepção de si, conhecendo-se cada vez melhor (FREUD, 1996b, p. 116).
A técnica psicanalítica, que pode ser às vezes considerada insensível por lidar com o sofrimento psíquico por meio de interpretações do seu significado, apresenta-se viável e eficaz diante do vínculo estabelecido entre a dupla paciente-analista. Não seria exagero dizer que, sem essa identificação – vínculo –, não haveria empatia, afeto e consequentemente, tratamento com resultados satisfatórios. Como disse Carl Jung (1996a, p. 43): “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
[Revisão de Ana Tércia e Gabriel Santana. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
Referências
JUNG, C.G. Fundamentos da psicologia analítica. Petrópolis: Vozes, 1996a.
SIGMUND, Freud. A dinâmica da transferência. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XII, p. 111-119). O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. (Originalmente publicado em 1912).
SIGMUND, Freud. Transferência. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol. XVI, p. 433-448). Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (Parte III). Rio de Janeiro: Imago, 1996c. (Originalmente publicado em 1916).
[1] Professor do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMS. E-mail: weiny.freitas@ufms.br
[2] Graduanda em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: n.garcia@ufms.br
O artigo é o quinto texto da sétima edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros textos publicados:
- Efígie, de Paola Dias Bauce, disponível em: https://ermiracultura.com.br/2024/06/01/efigie/.
- “Van Filosofia”: um passeio pelas ruas de Campo Grande, de Herma Aafke Suijekerbuijk, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/08/van-filosofia-um-passeio-pelas-ruas-de-campo-grande/
- Superação e retorno à metafísica, de Cristian Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/15/superacao-e-retorno-a-metafisica/.
- Distopia do capital: o realismo capitalista e a devastação ambiental, Anthony Franklin Prates Carvalho, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/22/distopia-do-capital-o-realismo-capitalista-e-a-devastacao-ambiental/