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Roberto Mello em Matutações Psicanalista e jornalista | Publicado em 16 de março de 2025

Roberto Mello
Psicanalista e jornalista
16/03/2025 em Matutações

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Política, poesia e a vida por um fio

Quando acontece duas vezes, a gente fica de orelha em pé. Primeiro, o sorriso na capa, dentucinho. Edição de bolso comprada na banca de jornal. Depois, à noite, na TV, um trecho do documentário de Joaquim Pedro de Andrade sobre o poeta que se dizia menor. Tá falando com quem? Comigo? Esse negócio de falar com morto é Jung demais. Os vivos são cada vez mais dominados pelos mortos, dizia o catecismo positivista. Ao que o marxista replicava que o domínio vinha cada vez mais dos muito vivos.

Mais-valias à parte – será possível? – teve uma terceira vez: a foto de capa do livro Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira, de Davi Arrigucci Júnior. Bandeira olhando para um menino negro vestido com um paletó engole-ele de tão grande. O olhar do menino vale uma tese de doutorado. Pronto. Aí estão os elementos da lógica do ao-menos-três da criação, segundo Lacan. Navegar é preciso?

Lá no Rio de Janeiro, fim de tarde, fim do recreio no Internato do Colégio Pedro II. Duro de roer. Sol poente. Cinco da tarde já estávamos jantados. Às seis e meia, voltar para a sala de aula, fazer o dever de casa, estudar pro dia seguinte, chorar escondido, que às oito e meia da noite era entrar em forma para o restaurante, tomar a ceia, pão com manteiga e mate que os meninos diziam que era broxante, escovar os dentes, botar o pijama e nove da noite, o toque de silêncio, que às cinco da manhã começa tudo de novo. Era bom, mas às vezes não.

Tempo em que angústia era fossa. Ficar na fossa. Pra sair dela xingando em nagô que nem Monsueto, Vinícius e Toquinho, hay que criar. E a meninada criou um troço chamado Academia dos Incógnitos. Trocávamos nosso precioso recreio para ouvir os convidados: Fernando Sabino, J.G. de Araujo Jorge, Afrânio Coutinho, o catedrático de português Rocha Lima, o grande Othon Moacyr Garcia, o filósofo brasileiro Euryalo Canabrava, Nelson Rodrigues e Manuel Bandeira.

Um espanto ver e ouvir o poeta dizendo seus versos em meio a um respirar difícil, entremeado de cof, cof, a tossezinha solerte que restou de uma tuberculose. Tuberculose que lhe serviu de pretexto para o poema Pneumotórax: “O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado/ Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?/ – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

Ele ali falando pros meninos, sem nada cobrar, de graça, da graça: “Irene preta, Irene boa, Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu. Licença meu branco e São Pedro bonachão: Entra, Irene, você não precisa pedir licença.” Não era assim tão redondinho, havia cof, cof no meio. Mas era Manuel, de verdade, saído da antologia de Rocha Lima, das aulas de Othon Garcia.

O menino de sua mãe, que se pudesse também convidaria Pessoa, achava era bom, valia a pena perder o recreio. Tinha de escolher: ou a poesia em pessoa, ou a música do programa Um piano ao cair da tarde, daRádio Eldorado, que nos ajudava a levar o dia, a tarde caindo, levar a noite, levar a vida, ao som de Errol Garner, Ahmad Jamal e também o nosso Dick Farney.

Mais tarde, já na Fenefi, a gloriosa Faculdade Nacional de Filosofia, eu o vi algumas vezes, andando a pé. Bandeira morava em frente ao prédio da faculdade, na Avenida Antônio Carlos, andava de ônibus, em pé, olhando a paisagem pela janela da fantasia. E que paisagem. O mar do Aterro do Flamengo, sente a maresia. A turma do curso de filosofia atravessava os jardins do Museu de Arte Moderna, puxar angústia existencial, afinal o existencialismo – Sartre, Simone, Heidegger – era rival à altura na parada com o marxismo. Gostávamos de Sartre, os meninos. De Simone, as meninas, ninguém nasce mulher, o segundo sexo começava a pegar as rédeas.

Anos 60, alguns começavam a pegar em armas. O governador era Lacerda, que barramos na porta de entrada para a Fenefi. Que loucura, meu Deus. Meninos cantando o Hino Nacional diante de uma tropa de choque da PM estadual – com o dedo no gatilho de metralhadoras apontadas diretamente para meia dúzia de gatos pingados de braços dados. Por um triz. Que espanto ver o governador espumar de raiva, culpando e xingando de “filho da puta” o fino e aristocrático reitor Pedro Calmon, um historiador que era chamado de “vaselina” pela esquerda radical por conciliar demais com o poder: ora veja, Lacerda queria entrar porque fora escolhido paraninfo de um grupelho de direita que pretendia impor a sua vontade a todos os formandos, queriam uma formatura à parte. Não passaram.

E a PM quase nos passou em armas, não fosse a esperteza daqueles fedelhos de jogar politicamente com a contradição entre governo federal – Jango – e governo estadual – Lacerda. Fomos cercados. Mas as tropas do Exército, então leais a Jango, cercaram a PM. Alguém tinha de ceder, depois de horas de espera. Se invadirem, que farão de nós? Nossa maluquice inventava táticas de “guerrilha” que consistiam em botar móveis atrás das portas e espalhar sabão no chão para o “inimigo” escorregar.

Saída honrosa: a nossa, abandonamos o prédio passando por um corredor de proteção formado pelas tropas federais. Ganhamos a rua e a primeira batalha. Começávamos a perder. A queda de Jango, o golpe, e depois o AI-5 fechou geral. Vinte anos no lombo de ditadura militar. Antes disso, se fizéssemos greve, parávamos o Centro da cidade. Jogaram-nos para o Fundão, Ilha do Governador, bem longe do Centro, sob supervisão dos americanos, que, de quebra, entubaram o regime de créditos, nada de uma turma só até a formatura. O célebre dividir para reinar.

Aos 20 anos, a angústia da escolha era: luta armada ou luta política. Fui fazer análise. Geração AI-5: “eles venceram”, e os caminhos estavam fechados para nós que um dia fomos jovens, tal como na canção de Belchior.

De novo, sente a maresia: de um lado a Maison de France, seu teatro fantástico, tempos do Grupo Oficina, Zé Celso. De outro lado, o Aterro, jardins de Burle Marx. Sentados na mureta do Museu de Arte Moderna, que nos separava do mar, comemorávamos a visita que nos fizeram Sartre e Simone, filósofos vivos, fora do livro, ciceroneados por Jorge Amado. Ao lado esquerdo do prédio da Fenefi, o Calabouço, o restaurante dos estudantes, perto de onde Edson Luiz fora assassinado.

O psicanalista Hélio Pellegrino, indignado, deu voz e palavra à nossa revolta. Como estudar filosofia, olhar aquela paisagem enfeitiçadora lá do quinto andar do anfiteatro, enquanto o mundo, como sempre, pegava fogo, e as questões sociais explodiam nossas cabeças? Hélio Pellegrino iria assumir um protagonismo cada vez maior na psicanálise, nas questões sociais brasileiras, na fundação do PT. Ele, Eduardo Mascarenhas e Wilson Chebabi fizeram em 1980 a crítica mais radical até então à psicanálise brasileira. Era uma crítica feita por psicanalistas. E que até hoje reverbera.

Surgiu a denúncia contra Amílcar Lobo, tenente-médico que participava nas torturas a presos políticos, e ao mesmo tempo queria ser psicanalista. Tive a graça de publicar Os barões da psicanálise no Jornal do Brasil. Foi um caso de serendipitia: atirei no que vi, acertei no que não vi. A direção da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, com base exclusiva no meu texto, expulsou dos seus quadros Pellegrino e Mascarenhas. Tempos depois, eles foram reintegrados por via judicial. Foi um longo combate. Que teve por consequência enorme a denúncia feita por Amílcar Lobo, depois de 15 anos de silêncio: o ex-deputado Rubens Paiva fora preso, torturado e assassinado nos porões da ditadura cívico-militar. Sua confissão mudou a psicanálise e a política brasileiras. Também eu fui demitido do Jornal do Brasil.

Até hoje não sei do verdadeiro motivo. Imagino que tenha ferido alguém que se analisava com algum barão, não sei. O que sei é que fui readmitido, não sem antes passar pela “geladeira” tão conhecida do jornalista que cai em desgraça: ele recebe seu salário, é admitido no ambiente da redação, mas ninguém lhe dá trabalho. Passou um tempo, a geladeira foi desligada. E me mudei para Goiânia em 1988, quando a cidade sofria com o acidente nuclear do césio. Logo que cheguei, soube da morte do Hélio. E assim foi uma sucessão de mortes de amigos meus. Felizmente, Goiânia me mostrou novos amigos.

Corte, do século 20 para o 21: Bandeira perigou não emplacar os versos de Estrela da Vida Inteira em vestibular de Goiás. Esgotada nas principais livrarias do País, alunos não encontravam sua obra em junho de 2012. Não reeditada por questões de herança. Herdeiros também impedem naquele momento reedições de Cecilia Meireles. Mas se anuncia que em 2012 terminam os direitos autorais sobre a obra de James Joyce, nas mãos do povo, afinal. Quem sabe, também a de Bandeira. Numa simples edição de bolso vendida em banca de jornais pude encontrar alguns de seus poemas. Sem falar no auxílio luxuoso de Humberto Werneck, que acaba de nos brindar com O Santo Sujo, uma biografia de Jaime Ovalle, o enigmático parceiro de Bandeira na canção Azulão. A ele Bandeira dedicou pelo menos dois poemas.

Ovalle atiçava nossa curiosidade de meninos. Quem era esse poeta sem versos, autor sem obra, venerado por Bandeira, Vinícius, Sabino, Gilberto Freyre, e que estava em todo lugar e em parte alguma? Depois de tudo, Bandeira corre o risco de ser “reprovado” no vestibular. Progredimos? Já nos esquecemos do poema O Bicho, queBandeira publicou em 1947 contra esse papo-furado de reciclagem-sustentabilidade-economia verde: “Vi ontem um bicho/Na imundície do pátio/Catando comida entre os detritos./ Quando achava alguma coisa, /Não examinava nem cheirava:/Engolia com voracidade./ O bicho não era um cão./ Não era um gato,/ Não era um rato./ O bicho, meu Deus, era um homem.”

Talvez o poema soe sentimental para as vestais tão “puras” que dizem querer “salvar” o mundo, o planeta, a natureza, e vão acumulando cada vez mais detrito e poder. O discurso da salvação é papo de psicóticos, pois a natureza não está nem aí para o desaparecimento da espécie. Para as vestais que nos ameaçam, infundindo o temor para mais bem governarem, a lembrança do tango argentino à la Bandeira. Para outros, os versos da Mascarada: “Você me conhece? (Frase dos mascarados de antigamente) – Você me conhece? – Não conheço não. – Ah, com fui bela! Tive grandes olhos, / Que a paixão dos homens/ (Estranha paixão!) Fazia maiores… / Fazia infinitos./ Diz: não me conheces? – Não conheço não./ … Por mim quantas vezes/ Quase tu mataste, /Quase te mataste,/Quase te mataram! / Agora me fitas/ E não me conheces?/ Não conheço não./ Conheço é que a vida, / É sonho, ilusão./ Conheço é que a vida, /A vida é traição.

A traição dos amigos, dos pais (defenestrar os filhos, abandoná-los no lixão – o homem goza com seus dejetos), dos amantes (esquartejar o parceiro), tudo isso é fichinha: a vida é que é traição. O que nem de longe é fazer apologia do liberou geral.

(Este texto levemente ampliado e modificado foi publicado em 24 de junho de 2012 no jornal O Popular,  sob o título Memória de Manuel Bandeira.)

Tag's: ditadura militar, Manuel Bandeira, poesia, política

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