[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
Janeiros
janeiros orbitam
estações mortas
minutos atravessados
num roxo oco
cadáveres de dias
se esparramam até a porta
( exílio-íris,
verde quase
que um neo deserto
aborta
33 poemas (1990)
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[2]
Triste como um pôr do sol
um sol vago
que vai
como quem
não veio
sol de soslaio
este é o sol
que leio
sol solto
( que a nada se prende )
sol alheio
luz aparente
( de um lume que talvez brilhe ocluso )
este é o sol
que é uma sombra
( como a paisagem )
o dia inteiro
sol difuso
( que finge luz )
triste como um pôr do sol )
sol que não sabe
o que é o sol
ou seu calor
( sol vago
que vai
como quem
não veio
sol de soslaio
este é o sol
que leio )
33 poemas (1990)
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[3]
Gestos
Gestos que se repetem
toques que se repetem
olhares
que transformam o sol
Em cabeças de alfinete
as folhas renovadas
do chapéu de sol
apenas se repetem
Sons nervosos da voz
passos que repisam
movimentos que se repetem
e há sempre
Em cada lugar
um intérprete
tornar a dizer
que as vozes dos pássaros
Entre ruídos de carros
sonados
da manhã
apenas se repetem
Ossos de borboleta (1996)
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[4]
Sempre
Sempre em frente
e vice-versa
o sol
o horizonte
a linha reta
•
Cabeça do mar
a ilha
brilha
triângulo
•
Dias
no quarto
dias
em retângulos
Dromedários
quadrados
são círculos
com ângulos
•
Preto
vermelho
azul
branco
sob a forma
de losango
•
O ponto
fechado
círculo
tão íntimo
de si
Ossos de borboleta (1996)
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[5]
Folhas
Folhas fêmeas de mandrágora
mandrágoras do agora quando
abutres habitam
azuis
bocas mais suaves do que
vinho
o sol de janeiro queima
a pele
ouriços trucidam víboras
salamandras e consoantes
sob o musgo
de cifras
(como se diz
não se adia
a cor
da noite)
camaleões
o casco oco de um cervo
lacraias mancas
a cauda de um pavão emérito
Ossos de borboleta (1996)
Régis Rodrigues Bonvicino nasceu em São Paulo no dia 25 de fevereiro de 1955. Formou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1978. De 1975 a 1983, foi colaborador da Folha de S. Paulo na área de cultura e literatura, passando em seguida a atuar na magistratura. É tradutor, editor e crítico literário. Seus poemas já foram traduzidos em vários países. Como poeta, publicou os seguintes títulos: Bicho papel (1975), Régis hotel (1978), Sósia da cópia (1983), Más companhias (1987), 33 poemas (1990), Outros poemas (1993), Primeiro tempo (1995), Ossos de borboleta (1996), Togheter – um poema, vozes (1996), Sky-eclipse (1999), Remorso do cosmos (de ter vindo ao sol) (2003), Página órfã (2007), Estado crítico (2013) e Até agora (poesia reunida, 2010).