O colibri verde-amarelo de rabo branco entrou na casa em Minas e encontrou-se preso, debatendo-se aflitivamente a uma janela. Cansou e pausou, quando o fotografei a uma proximidade impossível ao ar livre, possibilitando o uso detalhista da lente macro. Depois foi arrumar um jeito de capturá-lo com um pano e o devolver à natureza viva da serra.
Quando revejo ocasionalmente a fotografia, pensamentos diferentes me ocorrem.
Vejo a mais bela imagem da natureza vivente.
Lembro do Brasil capturado, partido, prisioneiro da desídia, do ódio, da ignorância e da polarização.
Penso no fosso entre sociedade, natureza e cultura na ótica das mentes reduzidas.
Como um dos retratos da nossa época, vem o afastamento ou a aversão aos livros, ao conhecimento, à ciência. A ojeriza à alteridade. O julgamento do outro pelo valor subjetivo de grupos, o uso distorcido da religião. As cartilhas intervencionistas do politicamente correto aumentado, lançando sombras ao passado e o julgando pela gramática do presente, por meio de um léxico retroativo. Os ideologismos em combate se retroalimentando.
“É outra escola, a de quem não lê”, me disse um amigo veterano em tempos idos, quando o político assumia a gestão da instituição que pouco conhecia. Quando não imaginávamos que o clima no país podia piorar tanto.
A crise socioambiental não é obra apenas do culpado capitalismo de origem ocidental. Há os signos dos Estados autoritários e desenvolvimentistas. Os efeitos das visões distorcidas, tanto a ideologia quanto o lucro devastando o planeta.
A ideia de progresso é datada, a palavra tornou-se positivista, de uso mecanicista. Faltou a palavra amor, presente no lema de outrora e subtraída da bandeira.
Não se trata apenas do relevante crescimento populacional. Vide o consumismo e a distância entre as pessoas nos mundos financeiros.
O conceito de desenvolvimento foi reescrito, reestudado, combatido e reinterpretado.
Há muitos debates, olhares. Os que tentam equacionar a complexidade com doses de realismo propugnam por uma economia circular.
O Norte global, tendo sido o grande motor do desastre climático, comporta muita gente debruçada sobre soluções para a questão planetária, que outrossim muitos negam. São elas de várias ordens e naturezas; de suaves, engenhosas e humanas a insanas, como seria colonizar Marte.
O Sul igualmente, com muitos bons entre negacionistas e tortuosos, ideólogos e falsos profetas.
Entrementes, o intercâmbio semearia o futuro.
Voltei a Minas, muito quente; voltei de Minas: o tempo passa, muitas notícias de fogos por lá, consumindo florestas e cerrados. Como na Chapada dos Veadeiros.
A água é bem de uso comum de todos, como consagrado no Brasil pela melhor exegese da Constituição Federal de 1988, do Código Civil e da lei que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997).
A apropriação privada de bens de uso comum remonta à Idade Média na Europa. Hoje sabe-se que o aumento exponencial do fogo na Amazônia e no Cerrado gera desertificação e compromete a chuva e, por conseguinte, o acesso à água na América do Sul. Hoje, o mundo debruça-se sobre a questão planetária, eis que os efeitos ambientais não reconhecem fronteiras.
Dois documentários televisivos apresentados por um longevo Sir David Attenborough (A life on our planet, 2020 e Breaking Boundaries, 2021), disponíveis na Netflix, trazem avisos e números contundentes. Durante os dez mil anos da época denominada de Holoceno, o clima oscilou entre esfriar e esquentar no limite de 1 grau Celsius e nossa espécie prosperou, desenvolvendo agricultura e civilizações. Mas houve um rompimento e um esgotamento da natureza vivente, das florestas e da biodiversidade, que são agentes do equilíbrio. A vida selvagem dos mamíferos corresponde hoje a apenas 4% do peso da classe Mammalia; 60% são animais que a humanidade cria para comer.
A humanidade que subverteu a harmonia, gerando o Antropoceno, caminha para mais uma cimeira do clima com a COP 26 em Glasgow. Seria mais uma última chance de reverter o cataclismo?
Para quem lê, recomendo vivamente as sementes contidas no livro A Revolução Ecojurídica, o Direito Sistêmico em Sintonia com a Natureza e a Comunidade, de Fritjof Capra e Ugo Mattei (Ed. Cultrix), no qual o físico austríaco e o jurista italiano escrevem a quatro mãos uma revisão epistêmica, histórica e jurídica, uma aula magna, um manifesto pelo resgate dos bens comuns, pelas atividades socialmente saudáveis, geradoras de novas realidades a partir das boas práticas, de baixo para cima.
Desde que o li, uma referência. O livro almeja a uma transformação do sistema jurídico, necessária para abraçarmos a integralidade da proteção do ambiente em um mundo humano.
Traduttori, traditori, bem alertam os italianos. O livro dos autores que se encontraram na Califórnia é intitulado The Ecology of Law, Toward a Legal System in Tune With Nature and Community; a edição brasileira trouxe como título aquele do último capítulo e mudança no subtítulo.
Desde o livro publicado em Oakland (Berrett-Koehler, 2015), muito se avança, por abordagens diferentes, em manifestações teóricas sobre ecologia e sociedade e nas publicações com a vontade de contribuir para a pesquisa, resgates, avanços ou adequações. Muita lenha nas discussões.
E muita gente no chão com a mão na massa. Uns se aventuram, outros se perdem, estes mergulham, aqueles encontram e questionam, abrem portas. Serão estas no futuro sombras esquecidas sobre as cinzas do passado? Quantos grandes fogos arderam desde então?
A miríade de mentes compõe textos que se entrecruzam nos caminhos da rede mundial interconectada. Há que se esforçar para unir as bordas dos pontos de vista sobre fins comuns.
Então lá vai este, breve, que medito e escrevo ouvindo a música africana.
Ubuntu, sou o que somos. Lá, como aqui. Viva Nelson Mandela!
Os beija-flores não sabem disso, nem o ignoram; alegria dos passarinheiros, bioindicadores para os biólogos, vivem no refúgio do ecossistema localmente sadio, onde convivem com os seres humanos na natureza envolvente, de onde viemos, onde estamos, na qual somos.
Parabéns, bela paisagem, e um belo texto