O fado tem muitas classificações.
Essas diversas denominações são comuns nos gêneros musicais, pois é próprio do gênero abrigar estilos diferentes. Nesse caso, prefiro a classificação em que é conhecido como “fado menor”.
De acordo com a literatura descritiva, é o fado da tristeza, do abandono, da separação, da paixão, da ausência, do ciúme, da melancolia, da saudade…
Uma modalidade de fado que lembra de algum modo o blues; é por isso que amo os dois, em New Orleans ou em Lisboa, meus tristes irmãos musicais.
É com esse tipo de fado que eu me identifico, sem menosprezar evidentemente os outros modos de interpretá-lo, ora alegres e dançantes, ora anedóticos e ingênuos.
As canções desse estilo preenchem a minha alma com a tristeza que me faz ser mais triste ainda − um pouco de depressão, um pouco de desgosto, de tédio e de fastio, um pouco lusitano, pois.
É a minha alma quem as canta enquanto as ouço nas casas de Alfama ou do Bairro Alto, enquanto outros diferentes fados são tocados em vários bairros, onde são interpretados nas suas modalidades.
O fado, como o Tejo, ambos derramam lágrimas − só que as melodias que o rio espraia são as mais salgadas porque vindas de uma alma que erra à procura de descanso.
Entretanto, é na rua de São Pedro, que faz esquina com o Beco do Azinhal, que se encontra a cantina Esquina de Alfama, uma casa típica de fados, gerenciada por Lino Ramos. Quase em frente, a poucos metros, a Taverna d’El Rey, outra casa que os cultua, e logo mais adiante outra e depois, mais adiante, outras. Todas agradáveis e acolhedoras, estampando um ambiente que lembra antigas histórias. Pudera, Alfama é um bairro que está fincado ali desde a ocupação dos mouros.
Pela segunda vez, depois de dois anos, voltei à Esquina de Alfama, onde Daniella Giblott, Inês Dias, Ricardo Almeida, além de Lino, são os cantores que se alternam na interpretação de fados clássicos. Nesse tempo, a casa sofreu reformas, e os fadistas, os mesmos, tornaram-se mais performáticos.
Não longe dali, no lado mais a oeste, depois da Avenida Infante Dom Henrique, o Tejo empurra as suas mágoas.
Ouvir fados em Alfama é pensar depois onde apreciar, na noite seguinte, outros fadistas nessa Lisboa linda, aconchegante e aberta, com o seu céu de setembro luminoso e o seu clima instável, que nos entontecem, nos agasalham e nos molham com chuvas ligeiras.
Lisboa fervilha com o vaivém dos estrangeiros que viajam para a cidade em todas as épocas do ano para admirá-la, amá-la e desfrutá-la. Quantos deles são capazes de voltar à sua origem, um lugar às vezes muito distante, sabendo que vivenciou ali uma experiência singular numa das metrópoles mais fascinantes do mundo?
Se Paris é sedutora, Lisboa é cativante.
Tenho certeza de que Lisboa não escolhe os indivíduos que vão visitá-la, mas evocando o seu passado glorioso, a sua delicadeza arquitetural, a sua gastronomia e os seus vinhos, a poesia de seus becos medievais, a beleza de seus monumentos, de sua estatutária tão diversa, de suas igrejas carinhosas, de seus museus, de seu imponente sítio urbano, destruído em 1755 e reformado em seguida pelo marquês − Lisboa escolhe as pessoas dessa vaga turística, e somente essas, para irem à Esquina do Fado.
Este talvez seja o mistério de Lisboa, ou o feitiço do fado, não sei.
Mas sei também que nos meses de maio e junho a cidade se veste de um azul arroxeado que se espalha pelo Parque Eduardo VII, pelo Largo do Carmo e por diversas avenidas, cor essa, tão aveludada, que é ofertada graciosamente pelas flores dos jacarandás-mimosos.
É setembro, porém, anoitece em Lisboa − e é hora de ouvir os fados.
(De Entre as Folhas do Jardim, livro de crônicas inédito)
Luís, que texto e fotos lindas. Parabéns. Você nos trouxe um pouco de Lisboa neste texto. Abala nossa alma e toca nosso coração. Amei…. Obrigada
Sônia Ferreira Braga de Araújo, agradeço a gentileza do comentário. Abraço.
Héverton Baiano, um abraço amigo.
Concordo serenamente!
Linda crônica!