[Coautores: Weiny César Freitas Pinto[1] e Ana Karla Silva Soares[2]]
Alguma vez você já sentiu que suas conquistas ou sucessos não devessem ser atribuídos a você? Apesar de cultivar bons relacionamentos, apresentar bons resultados no trabalho, e demonstrar sinais evidentes de capacidade para realizar o que deseja, nada disso parece ser suficiente para que você se sinta bem consigo mesmo, satisfeito ou realizado? Você acha que suas conquistas são “pura sorte”, que não merece o que possui, e frequentemente atribui a algum fator externo os sucessos alcançados na vida?
Essa percepção da falta de competência e insegurança em relação a si próprio é característica do “Fenômeno do Impostor” (FI), manifestação psicológica que, apesar de não ser classificada como patologia, pode causar muito sofrimento. O termo surgiu nas pesquisas de Pauline Rose Clance e Suzanne Imes (1978), inicialmente, em seus atendimentos clínico-terapêuticos, especialmente com pacientes do sexo feminino. Elas constataram que suas pacientes, apesar de terem obtido sucesso acadêmico e profissional, creditavam suas conquistas a outros fatores e não às suas próprias habilidades.
O FI não escolhe sexo, classe ou etnia. Aqueles que sofrem com “impostorismo” não internalizam suas conquistas e vivem sob a constante tensão de serem descobertos como sendo uma fraude. Tais percepções os levam a duvidar de seu potencial, apesar da existência de fortes evidências contrárias. Essas pessoas tendem a ser fortemente impactadas em sua saúde mental, experimentando baixa qualidade de vida, redução de bem-estar psíquico, aumento de níveis de estresse, ansiedade, depressão e constantes preocupações relacionadas ao medo de falhar, entre outros sintomas que podem acarretar prejuízos em diversos contextos: profissional, educacional e até em seus relacionamentos interpessoais.
O Fenômeno do Impostor tem diversas causas, sendo uma soma de fatores internos (individuais), tais como personalidade perfeccionista e baixa autoestima, junto a fatores externos (sociais), por exemplo, o contexto em que se cresce e o estilo parental por meio do qual se foi educado, ou seja, a educação recebida dos pais. Clance (1985) afirma que há padrões de dinâmicas familiares comuns nos relatos de pacientes que apresentam o Fenômeno do Impostor: medo de decepcionar a família, cobranças constantes e altas pressões para atingirem realizações acadêmicas. As relações familiares apresentam então forte correlação com o FI e, já que o ambiente familiar é especialmente capaz de moldar o desenvolvimento e a personalidade do sujeito, é válido destacar o estilo parental dentre seus múltiplos fatores causais.
Inicialmente descritos por Baumrind (1967-1971), os estilos parentais foram reformulados por Maccoby e Martin (1983), que os descreveram a partir de uma estrutura que os definem em dois grandes polos. O primeiro é denominado exigência e se refere ao controle do comportamento dos filhos, com o estabelecimento de regras e limites, por exemplo; o segundo se denomina responsividade e diz respeito à capacidade dos pais de atender às necessidades dos filhos. A relação estabelecida entre esses dois polos é também compreendida a partir da seguinte classificação: autoritário (alta exigência e baixa responsividade), autoritativo (alta exigência e alta responsividade), permissivo (baixa exigência e alta responsividade) e negligente (baixa exigência e baixa responsividade).
Mapear a causa e o desenvolvimento do FI é uma tarefa de alta complexidade, por isso, antes de afirmar que alguém apresenta “impostorismo”, é preciso analisar e relacionar os fatores considerados externos ao indivíduo, como o seu contexto familiar e os fatores internos, aspectos psicológicos em geral. Para auxiliar a compreensão desse fenômeno, um dos fatores internos de fundamental importância é a personalidade. Os traços de personalidade são uma dimensão psicológica individual que envolve fatores psíquicos, sociais e genéticos. São diversas as definições de personalidade, mas, no geral, esta pode ser compreendida como comportamentos e atitudes típicos de determinado indivíduo, que segue um determinado padrão, do qual é possível extrair certos traços específicos que se apresentam relativamente constantes e estáveis em cada pessoa.
O Big five, modelo dos Cinco grandes fatores da personalidade, elaborado por Costa e McCrae (1992), é uma teoria da personalidade bastante utilizada para a compreensão do FI. Os autores estruturam a personalidade a partir de cinco dimensões principais: extroversão, amabilidade, conscienciosidade, neuroticismo e abertura à mudança.
Em um estudo realizado por Bernard, Dollinger e Ramaniah (2002), ao relacionar esses traços de personalidade com o Fenômeno do Impostor, os resultados indicaram que há conexão entre “impostorismo” e neuroticismo, traço que diz respeito à tendência de experienciar sentimentos negativos. Esses indivíduos são mais vulneráveis ao estresse e apresentam maior instabilidade emocional, insegurança e indisposição, entre outras características psicológicas de natureza negativa.
Como se vê, o Fenômeno do Impostor é um assunto muito sério e exige ser tratado como tal. São graves os prejuízos que ele causa na saúde mental, no desempenho profissional, acadêmico e nos relacionamentos interpessoais daqueles que o experienciam. Sua avaliação requer que se leve em consideração o todo, para que se tenha um “diagnóstico” adequado e um tratamento eficaz, caso em que a psicoterapia é uma grande aliada. Buscar ajuda para superar os sentimentos de “impostorismo” pode levar a uma grande transformação na qualidade de vida, evitando que pessoas tão capazes rejeitem grandes oportunidades pelo simples medo de falhar. Entender o que é o Fenômeno do Impostor e como ele funciona é o primeiro passo para a mudança e a aceitação de quem você é, bem como de tudo o que é capaz de ser e fazer.
Referências
BAUMRIND, Diana. Current patterns of parental authority. Developmental Psychology Monographs. Pensilvânia, v. 4, p. (1-103), 1971. https://doi.org/10.1037/h0030372.
BERNARD, Naijean, DOLLINGER, Stephen, & RAMANIAH, Nerella. Applying the Big Five Personality Factors to the Impostor Phenomenon. Journal of Personality Assessment, Philadelphia. v. 78, p. (321-333), 2002. https://doi.org/10.1207/S15327752JPA7802_07.
CLANCE, Pauline. The Impostor Phenomenon: when success makes you feel like a fake. Toronto: Bantam Books, 1985.
CLANCE, Pauline; Imes, Suzanne. The impostor phenomenon in high-achieving women: Dynamics and therapeutic interventions. Psychotherapy: Theory, Research and Practice, Atlanta, v. 15, 3, p. (244-247), 1978. https://doi.org/10.1037/h0086006.
COSTA, Paul; MCCRAE, Robert. From catalog to classification: Murray’s needs and the Five- Factor Model. Journal of Personality and Social Psychology, Durham, v. 55, 2, p. (255-265), ago. 1988. https://doi.org/10.1037/0022-3514.55.2.258
[1] Professor do curso de Filosofia e da Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: weiny.freitas@ufms.br
[2] Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Psicometria e Psicologia Social (NPPS – UFMS). E-mail: akssoaresufms@gmail.com
O artigo é o quinto da quarta edição da série Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros artigos publicados:
- Atenção! A sociedade contemporânea e a cultura do déficit de atenção, de Rafael Lopes Batista, Paula Mariana Rech e Marsiel Pacífico, em http://ermiracultura.com.br/2022/08/06/atencao-a-sociedade-contemporanea-e-a-cultura-do-deficit-de-atencao/
- A gratidão pela transmissão: uma homenagem ao professor Marcelo Fabri, de Vítor Hugo dos Reis Costa, em http://ermiracultura.com.br/2022/08/13/a-gratidao-pela-transmissao-um-agradecimento-ao-professor-marcelo-fabri/.
- Epistemologia e política: relação necessária e (impossível)?, de Alberto Mesaque Martins e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/08/20/epistemologia-e-politica-relacao-necessaria-e-impossivel/.
- Há filosofia nos recortes das redes sociais?, de Guilherme Baís do Valle Pereira e Vítor Hugo dos Reis Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2022/08/27/ha-filosofia-nos-recortes-das-redes-sociais/.