A palavra “diáspora” quer dizer dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição religiosa ou étnica. Não foi à toa que a roteirista e diretora Tetê Caetano escolheu a palavra de forte significado para nominar a personagem do espetáculo Diáspora, uma mulher forte, atormentada pelos crimes que cometeu, desesperada e dispersa pelo mundo em busca da paz que nunca terá. Diáspora fez curta temporada no Teatro Goiânia no primeiro fim de semana de agosto, devendo retornar ao palco ainda este ano.
Há tempos longe do palco, Tetê Caetano assina o projeto Mulheres Trágicas, que tem Diáspora como seu primeiro espetáculo, patrocinado pelas Leis Municipal de Incentivo à Cultura e Goyazes. O roteiro, assinado pela própria Tetê, baseia-se nos clássicos gregos de Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, três grandes nomes do teatro universal. Mas não deixa de ser atual. A identificação com a personagem é imediata. Quantas e quantas Diásporas estão nas páginas de jornais, da literatura, dos folhetins, do cinema e do próprio teatro? Diáspora pode ser qualquer mulher apaixonada, abandonada pelo ser amado, cega de amor e ciúme. O subtítulo da peça não deixa mentir : “Amor, até os deuses diante de ti tremem”.
A peça escapa ao convencional. É de tirar o fôlego no sentido de que é toda aérea, acrobática. Pura emoção. Suspensa por correntes, uma enorme esfera gira no centro do palco como um globo da morte visto nos circos. Presa a cabos, a atriz e acrobata Lua Barreto entrega-se por inteiro à interpretação. Ela é Diáspora, mulher jovem banida de sua aldeia após matar o marido Tântalos e sua amante Nix.
Após o hediondo crime, cai na sarjeta e vaga sem destino, até ser resgata pelo Gigante Sem Nome, um semideus alado vivido por Augusto Gratão, que a faz entender sua desgraça. Tenta aplacar a fúria dos deuses. Mas Diáspora terá que receber sua sentença. Sabe que seu destino será cruel. Ela chora, lamenta seu passado, a morte da filha, assassinada por Tântalos. Trava loucas e alucinadas batalhas acreditando que o Gigante poderá salvá-la. Tudo em vão.
Acrobatas e atores experientes, Lua Barreto e Augusto Gratão estão muito bem nos seus papéis. Movimentam-se com muita segurança na esfera, uma representação em pequena dimensão do mundo em que vivemos. Tetê, como ela mesma diz, “descascou” o Teatro Goiânia para instalar fios, correntes, ferros e fios, a eficiente iluminação de Rodrigo Horse, feita atrás do palco, e a música incidental de Reginaldo Mesquita para dar o clima sombrio ao espetáculo. Deslumbrante na última parte, Diáspora acerta as contas com seu trágico destino. Desenhado por Renata Caetano, o figurino está adequado à encenação, chamando a atenção o imenso vestido de noiva usado pela personagem.
Febril. É assim que a diretora Tetê Caetano considera todo o seu processo de criação. Foram meses de trabalho intenso, discussões, escolhas. Assim como foi quase insana a preparação corporal. “Febril, arriscado, dolorido e mágico. Quase incandescente”, afirma. Os atores não escondem que em muitos momentos sentiram medo do desafio proposto pela diretora. Saíram-se muito bem, o que não causa surpresa, já que os desafios estão sempre na pauta de Tetê Caetano, uma artista corajosa, desprendida, que sempre mergulhou de cabeça nos seus projetos: tanto na vida como na arte.
Que bacana, Valbene Bezerra. Fico tão feliz de saber, mesmo à distância, da realização de um espetáculo tão intenso pela também intensa Tetê Caetano. Parabéns, Tetê, a cultura goiana merece o seu fôlego!