[Curadoria de Luís Araujo Pereira; seleção, tradução e perfil de Gilberto G. Pereira]
[1]
The weary blues
Droning a drowsy syncopated tune,
Rocking back and forth to a mellow croon,
I heard a Negro play.
Down on Lenox Avenue the other night
By the pale dull pallor of an old gas light
He did a lazy sway.…
He did a lazy sway.…
To the tune o’ those Weary Blues.
With his ebony hands on each ivory key
He made that poor piano moan with melody.
O Blues!
Swaying to and fro on his rickety stool
He played that sad raggy tune like a musical fool.
Sweet Blues!
Coming from a black man’s soul.
O Blues!
In a deep song voice with a melancholy tone
I heard that Negro sing, that old piano moan—
“Ain’t got nobody in all this world,
Ain’t got nobody but ma self.
I’s gwine to quit ma frownin’
And put ma troubles on the shelf.”
Thump, thump, thump, went his foot on the floor.
He played a few chords then he sang some more—
‘I got the Weary Blues
And I can’t be satisfied.
Got the Weary Blues
And can’t be satisfied—
I ain’t happy no mo’
And I wish that I had died.’
And far into the night he crooned that tune.
The stars went out and so did the moon.
The singer stopped playing and went to bed
While the Weary Blues echoed through his head.
He slept like a rock or a man that’s dead.
O fatigado blues
Com lenta melodia sincopada,
Balançando na canção lamentada,
Ouvi um negro cantar.
Na Lenox, outra noite, quando descia
Sob a trêmula luz no fim do dia
Suingava com preguiça…
Suingava com preguiça…
A canção do fatigado blues.
As mãos de ébano ao marfim tocando
Gemiam melodias no pobre piano.
Ô, Blues!
Suingando em cima de seu banco rústico
Tocou um som triste, como um trapo lúdico.
Doce Blues!
Alma preta que reluz.
Ô, Blues!
Na voz profunda com tom de tristeza
O negro ao piano gemendo beleza –
“Tenho ninguém neste mundo,
Tenho ninguém, sozinho sou.
Vou aliviar meu semblante
Deixar as mágoas um instante.”
Tamp, tamp, tamp, batia o pé no chão.
Alguns acordes, mais outra canção –
“Canto o blues fatigado
E não sinto alegria.
Canto o blues fatigado
E não sinto alegria –
Sou feliz mais não
Só quero estar num caixão.”
Ele se lamentava na noite nua.
As estrelas se apagaram co’a lua.
O cantor parou, foi pra cama, agora dorme.
O blues, feito eco, por sua alma escorre.
Dormiu como pedra, ou como quem morre.
The weary blues (1926)
***
[2]
The negro speaks of rivers
(To W. E. B. DuBois)
I’ve known rivers:
I’ve known rivers ancient as the world and older than the flow of human blood in human veins.
My soul has grown deep like the rivers.
I bathed in the Euphrates when dawns were young.
I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe Lincoln went down to New Orleans, and I’ve seen its muddy bosom turn all golden in the sunset.
I’ve known rivers:
Ancient, dusky rivers.
My soul has grown deep like the rivers.
O negro que fala de rios
(Para W. E. B. DuBois)
Conheci muitos rios:
Conheci rios velhos como o mundo, e mais velhos que o sangue correndo nas veias humanas.
Minha alma sulcou fundo como os rios.
Banhei no Eufrates quando as madrugadas eram jovens.
Fiz minha cabana perto do Congo, que me ninava para dormir.
Vi o Nilo, e ergui as pirâmides para poder contemplá-lo.
Ouvi o Mississippi cantar quando Abe Lincoln desceu para Nova Orleans, e vi suas dobras de lama ficarem douradas com o pôr do sol.
Conheci muitos rios:
Antigos e escuros rios.
Minha alma sulcou fundo como os rios.
The weary blues (1926)
***
[3]
Death of an old seaman
We buried him high on a windy hill,
But his soul went out to sea.
I know, for I heard, when all was still,
His sea-soul say to me:
Put no tombstone at my head,
For here I do not make my bed.
Strew no flowers on my grave,
I’ve gone back to the wind and wave.
Do not, do not weep for me,
For I am happy with my sea.
A morte de um velho marinheiro
Nós o enterramos no topo da colina ao vento,
Mas sua alma voltou para o mar.
Sei, porque, quando estava tudo quieto,
Sua alma veio me contar:
Não quero lápide alguma,
Não é minha casa, em suma.
Também não quero flores,
Voltei às ondas e seus rumores.
Por mim não precisa chorar,
Estou feliz junto ao meu mar.
The weary blues (1926)
***
[4]
Poem
For the portrait of an African boy after the manner of
Gauguin
All the tom-toms of the jungles beat in my blood,
And all the wild hot moons of the jungles shine in my soul.
I am afraid of this civilization —
So hard,
So strong,
So cold.
Poema: para o retrato de um garoto africano à maneira de Gauguin
Todos os batuques da selva pulsam em meu sangue,
E brilham em minha alma todas as luas das selvas, ferozes e quentes.
Tenho medo desta civilização –
Tão dura,
Tão firme,
Tão inclemente.
The weary blues (1926)
***
[5]
The white ones
I do not hate you,
For your faces are beautiful, too.
I do not hate you,
Your faces are whirling lights of loveliness and splendor, too.
Yet why do you torture me,
O, white strong ones,
Why do you torture me?
Os brancos
Não os odeio,
Pois seus rostos são belos também.
Não os odeio,
Seus rostos irradiam clarões de gentileza e esplendor também.
Então, por que me torturam,
Ó, seus brancos fortes,
Por que me torturam?
The weary blues (1926)
Perfil
Filho de pai branco e mãe negra, James Mercer Langston Hughes foi um poeta afro-americano, nascido em Joplin, Missouri, em 1902. Em 1923, trabalhou no transatlântico S. S. Malone, conhecendo vários países da Europa e da África. Em 1925, ganhou o primeiro prêmio de poesia, da revista Opportunity, com o poema “The weary blues” (O fatigado blues), título homônimo de seu primeiro livro, de 1926. Em 1929, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade Lincoln (Pensilvânia), onde se graduou em Letras. Ganhou as bolsas Guggenheim (1935), Rosenwald (1940) e American Academy of Arts and Letters (1947). Escreveu poesia, contos, letras de música, ensaios, textos de humor, peças de teatro e duas autobiografias, The big sea (1940) e I wonder as I wander (1956). Foi o poeta mais importante do Renascimento do Harlem, movimento nova-iorquino que revelou e acolheu inúmeros artistas e pensadores negros talentosos nos anos 1920. Morreu em Nova York, em 1967. Todos os cinco poemas traduzidos aqui são do primeiro livro de Hughes, The weary blues.