O grande vencedor do 18º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás (Fica) foi o longa-metragem La Supplication, de Pol Cruchten, sobre o desastre nuclear da usina de Chernobyl, que ganhou o prêmio Cora Coralina de melhor obra do festival. O filme, confirmando seu favoritismo, conquistou ainda o troféu da crítica. O longa Taego Ãwa, dos irmãos Marcela Borela e Henrique Borela, de Goiás, também favorito, levou um dos troféus de melhor produção goiana e o prêmio do júri popular.
A cerimônia de premiação foi realizada no Cinemão, no centro histórico da cidade de Goiás, no fim da tarde deste domingo, 21. Além das premiações (confira a lista dos ganhadores no quadro abaixo), o evento foi marcado por protestos da plateia e dos realizadores goianos.
Um docudrama, La Supplication resgata a tragédia de Chernobyl a partir de relatos dos moradores da região na Ucrânia que tiveram suas vidas alteradas definitivamente, seja com a perda de parentes e amigos, seja sentindo na própria pele os efeitos do acidente nuclear. O diretor Pol Cruchten, que não veio ao festival, inspirou-se no livro Vozes de Chernobyl, da bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura.
O vencedor do troféu de melhor média-metragem, a produção indiana Phem Chang narra a vida de pescadores que vivem em casas flutuantes de biomassa no Lago Loktak. Os pescadores foram desalojados pelo governo, que os culpa por poluir as águas do lago. “Eu dedico este filme a essas pessoas, que retiram da natureza o necessário para sobreviver, mas de forma sustentável, e são acusadas injustamente de poluidoras. Na verdade, os responsáveis pela poluição do lago são as cidades da região, que não têm um sistema correto de destinação do lixo nem saneamento básico”, afirmou o diretor Haoban Paban Kumar.
Os diretores belgas Marie Brumagne e Bram Van Cauwenberghe levaram os troféus de melhor longa-metragem com o documentário Remember Your Name, Babylon, sobre imigrantes do norte da África que vivem no sul da Espanha. “O Mediterrâneo se tornou um cemitério de imigrantes”, afirmou Marie, ao comentar a crise geral na Europa, que tenta cada vez mais barrar as imigrações.
“Estão dificultando cada vez mais essas movimentações, tanto as causadas pelas guerras quanto as migrações de origem econômica, o caso do nosso filme. Na Europa, essas pessoas são relegadas ao limbo, quando na verdade procuravam por um El Dorado”, enfatizou a diretora.
O vencedor do troféu de melhor curta-metragem foi a animação francesa La Petite Pousse, de Chaïtane Conversat, que não veio ao festival. Com 10 minutos de duração, a animação conta a história de uma menina com muita imaginação e sua relação lúdica com a natureza.
Protestos
A secretária de Educação e Cultura, Raquel Teixeira, subiu ao palco do Cinemão para entregar o principal prêmio, o troféu Cora Coralina, sob vaias. Ao receber os seus troféus, os diretores goianos Marcela Borela e Henrique Borela (Taego Ãwa) e Daniel Calil (de E O Galo Cantou, também premiado como melhor produção goiana), protestaram contra o procedimento de entrada na cerimônia. Diferentemente do restante do festival, o público que estava sem crachá de identificação estava sendo revistado pelos seguranças do evento. Havia também policiamento ostensivo na porta do Cinemão.
“É uma vergonha para um festival de cinema esse procedimento”, reclamou Marcela Borela, lembrando que o Fica deveria ser um momento para reflexão, de encontro entre público e artistas. Ao receber o seu prêmio, o diretor Daniel Calil também protestou contra o procedimento de revista do público por seguranças e contra a demora no pagamento dos projetos selecionados pelo Fundo de Arte e Cultura de Goiás.
Ao todo, a premiação da mostra competitiva do Fica oferece R$ 280 mil em dinheiro. A premiação da ABD-Cine, mostra competitiva da Associação Brasileira de Documentaristas, seção Goiás, com R$ 120 mil em prêmios, também foi realizada no Cinemão, um pouco antes da premiação da mostra competitiva do Fica.
Goianos premiados
Um dos favoritos da mostra competitiva do festival, Taego Ãwa conta a história de um grupo de Avá-Canoeiros do Bananal, o último a fazer contato com os brancos, e de forma forçada, em 1973. O documentário une imagens da época com entrevistas recentes dos índios sobreviventes, que até hoje lutam pela demarcação de seus territórios. “A Funai dizia na época que se tratava de um consenso, mas o contato com os Avá-Canoeiros foi forçado”, frisou a codiretora Marcela Borela.
Uma ficção, E O Galo Cantou, de Daniel Calil, aborda o êxodo rural a partir de um drama familiar, contando a história de uma família no interior de Goiás. O diretor lembrou que o projeto do filme tem a ver com a história do próprio festival, pois o roteiro da obra foi trabalhado durante laboratório realizado pela ABD e pelo Fica em edições passadas.
A premiação da ABD-Cine, mostra competitiva da Associação Brasileira de Documentaristas, seção Goiás, com R$ 120 mil em prêmios, também foi realizada no Cinemão, um pouco antes da premiação da mostra competitiva do Fica.
Coordenador reconhece desconforto e diz que linha atual será mantida
Em balanço sobre a organização do 18º Fica, Lisandro Nogueira, um dos coordenadores do evento, reconheceu a falta de conforto para o público das sessões no Cinemão, um espaço que deveria servir como complemento, mas que acabou se tornando a única sala de exibição desde o ano passado. Em 2015, o Cineteatro São Joaquim, palco principal do festival e única sala da cidade de Goiás que funciona como cinema e teatro, foi praticamente demolido. Segundo o Iphan, o prédio estava bastante comprometido. A previsão de entrega da obra é para novembro.
Lisandro Nogueira assegurou que será mantida a linha atual do festival, com foco no cinema e menos ênfase nos shows musicais, principalmente os nacionais de grande apelo popular. “O festival, por um lado, está amadurecendo para manter como eixo o cinema. Desde o seu início a mostra competitiva é a espinha dorsal do Fica, mas ao longo dos anos os shows nacionais e uma programação paralela acabaram tirando o foco do festival, dispersando o público”, destacou Lisandro, professor da Universidade Federal de Goiás.
Para ele, o público menor do que há cerca de dez anos no Fica está longe de ser um problema. “A cidade não comportava aquilo, e era irreal também, afinal os grandes shows traziam para a cidade pessoas que não estavam interessadas em cinema ou meio ambiente. Além do mais, a cidade não comportava aquele tanto de gente. Agora estamos nos concentrando nas mostras e atividades cinematográficas”, disse o coordenador.
Segundo anunciou Nasr Chaul, superintendente estadual de Cultura, o Fica 2017 será realizado de 20 a 25 de junho, no Cineteatro São Joaquim. Raquel Teixeira, titular da Secretaria de Educação, Esporte e Cultura, garantiu que na próxima edição do evento será mantido o foco nas atividades de cinema e ambientais.
Os vencedores
Mostra Competitiva Fica 2016
Melhor Filme do Júri Popular – Troféu Luiz Gonzaga Soares (R$ 10 mil): Taego Ãwa
Melhor Produção Goiana – Troféu José Petrillo (R$ 35 mil): E o Galo Cantou
Melhor Produção Goiana – Troféu João Bennio (R$ 50 mil): Taego Ãwa
Melhor curta-metragem – Troféu Acary Passos (R$ 35 mil): La Petite Pousse
Melhor média-metragem – Troféu Jesco Von Putkamer (R$ 35 mil): Phum Shang
Melhor longa-metragem – Troféu Carmo Bernardes (R$ 45 mil): Remember Your Name, Babylon
Melhor obra – Troféu Cora Coralina (R$ 70 mil): La Supplication
Premiação 14ª Mostra ABD Cine Goiás
Melhor ator: Jonatas Borges pelo filme Jonatas
Melhor atriz: Mariana Nunes pelo filme Blaxploitation: A Rainha Negra
Melhor trilha sonora original: Sankirtana pelo filme Reincidência
Melhor som: Vasconcelos Neto pelos filmes Tereza Bicuda, Leblon Marista e Jonatas
Melhor montagem/edição: Fabrício Cordeiro, Luciano Evangelista pelo filme Leblon Marista
Melhor direção de fotografia: Rei Souza pelo filme Muitos Me Seguem , Mas Só Deus Me Acompanha
Melhor direção de arte: Úrsula Ramos pelo filme E O Galo Cantou
Melhor roteiro: Getúlio Ribeiro pelo filme Jonatas
Melhor direção: Daniel Nolasco pelo filme Febre da Madeira
Prêmio Martins Muniz de melhor filme experimental: Silêncio Não Se Escuta, direção de Rochane Torres, e Tive Fome Colhi Sede, direção de Rafael Freire
Prêmio Eduardo Benfica de melhor filme documentário: Febre da Madeira, de Daniel Nolasco
Prêmio Fifi Cunha de melhor filme de animação: Vida de Boneco, direção de Flávio Gomes de Oliveira
Prêmio Beto Leão de melhor filme de ficção: Jonatas, direção de Getúlio Ribeiro
A colunista de ERMIRA viajou a convite da organização do festival
A organização do FICA, pelo que entendi ao ler o artigo da Rute Guedes, quer focar o festival exclusivamente à mostra cinematógrafica, não querendo levar para cidade apresentações musicais. Senhores organizadores, esta atitude é um retrocesso. Censura velada, querendo direcionar o que o público tem que assistir. Uma coisa nada tem a ver com a outra. O festival é focado no cinema ambiental isto está mais do que claro. Em que as apresentações musicais atrapalhariam o festival? Questionam que a cidade não tem estrutura para receber multidões. Isso depende da organização. Senhores, até quando os fazedores de cultura em Goiás terão que conviver com retrocesso?