Porque era um confronto, ele não pensou em contar quantas vezes puxara o gatilho. Na mão esquerda, o Colt; na direita, o rifle.
“Misericórdia!” – implorou um dos últimos moribundos em seu estertor.
Como as vezes em que acionara o gatilho não tinham importância, a não ser a de defender-se, manteve com calma o olhar na direção para a qual apontara os ferros. Se as armas cospem fogo, as dele, ao contrário, vomitavam sentenças. Antes de reconhecer qualquer forma por causa da fumaça disseminada à sua volta, tanto a causada pelos tiros que disparara quanto a que fora provocada pelos milicianos, constatou o que já esperava ver.
Estava num território coberto de terra escaldante, povoado de répteis e vegetação rarefeita, com trilhas que serpenteavam encostas formadas de rochas esponjosas e, mais adiante, a montanha que começava com um traço e, em seguida, dividia-se em linhas ao longe, como riscos monótonos.
Todo esse cenário, porém, ficava às suas costas porque, à sua frente, havia a planície extensa, o capim ralo que tremulava, seco, inflamável. E, bem depois, o vale.
E ele viu o que esperava encontrar, quando a fumaça dissipou-se.
No meio das pedras e das touceiras, os corpos de quatro homens, um deles ainda segurando a sua arma; o que usava jaqueta parecia um nativo recrutado na reserva, enquanto os outros dois eram bandidinhos que se alugam nos bordéis. Pistoleiros que morrem cedo, antes de conhecerem uma parcela do mundo.
“Por mais obscuro que seja o meu destino”, pensou, “não devo ter piedade nenhuma.”
Não era a primeira vez que sofria uma tocaia – e não seria ingênuo a ponto de pensar que a tentativa de mandá-lo para o inferno encerrar-se-ia ali, naquele conflito envolvendo assassinos vis.
Ele tinha um acerto de contas na comunidade do senhor Zob. Até chegar lá, deveria andar pelo menos mais algumas horas e manter-se vivo – escorpião do deserto.
De tão ordinária, aquela parte do país não merecia um rosário de preces, pois estava entre dois significados de civilidade: o pior e o melhor modo de dizer “boa sorte”.
Quando a torre da igreja fez a sombra do meio-dia, um dos fanáticos deu o alarme:
“Ele voltou! Ele voltou!” – gritou em pânico.
Daí, a turba raivosa correu em sua direção, empunhando estandartes e facões. Ele estaria em maus lençóis se não fossem as armas que fora buscar além da montanha. Como dissuasão, lançou duas granadas que carregava na sacola e, para rechaçar de vez os agressores, não sabia quantas vezes tivera de recarregar o rifle.
Um rifle, vá lá, é um rifle – mas feito para funcionar, sobretudo quando é automático e o atirador tem a mira infalível.
Ao passar entre corpos tombados e poças de sangue, encontrou o senhor Zob, o pregador fanático e corrupto, que criara a seita e se autodenominava “apóstolo”, tentando erguer-se, o sangue escorrendo pelos furos dos projéteis – um bonequinho de pilhas fracas, enfim. Mal conseguindo colocar-se de joelhos, dirigiu-se ao atirador, balbuciando o seu último alento:
“A sua família recebeu o que merecia! Em meu vale, neste vale consagrado a Abraão, nunca houve lugar para os hereges!” – e caiu para trás, os olhos arregalados, numa pose ridícula, medonha.
O homem cuspiu com nojo na cara do charlatão. Em seguida, recuperou a bela arma que um dia pertencera ao seu filho. Cansado, mas atento, investigou os arredores para conferir se havia ainda alguma alma neurótica à espreita. Bem longe, viu apenas alguns homens que escapavam pelo leito seco do rio, como os chacais fogem quando sabem que estão completamente derrotados.
Aí, verificou as suas armas – e procurou cair fora daquele vale nauseabundo. No mundo hostil em que vivia, onde a ave de rapina tinha de disputar a carniça com os vermes, sabia, sem ouvir a pregação de nenhum farsante, que o seu Evangelho é o rifle – e, mais ainda, que o seu anjo da guarda chama-se Colt.