De Brasília ? Pelo espírito tradicionalmente político do Festival de Brasília, que termina nesta terça-feira, dia 27, e sua plateia bastante participativa, além de ser realizado no centro do poder, já era esperado que o impeachment da presidente Dilma e o caminho cultural do novo governo fossem render polêmica, mas ninguém imaginava tanto. Em todas as sessões desde o início do festival, no dia 20, o protesto pelo Fora Temer tem sido protagonista no Cine Brasília, palco principal do evento.
Quase todos as equipes das mostras competitiva e especial ? como os realizadores do curta Constelações (foto ao alto) ? incluíram a vinheta Cinema Contra o Golpe, com sete segundos, antes do início de cada filme, e subiram ao palco da sala de cinema vestindo camisetas com os dizeres “Cinema Contra o Golpe” estampados.
Os realizadores, até agora, aproveitaram seus minutos para apresentar seus filmes como uma chance de protesto contra o processo que tirou a presidente Dilma do poder e as medidas anunciadas pelo governo para a área cultural e também social. O público também tem se manifestado efusivamente, gritando “Fora Temer “ em coro a qualquer oportunidade. Alguns mais empolgados continuam gritando a palavra de ordem mesmo depois de iniciada a projeção do filme, mas por alguns segundos somente e rapidamente o foco volta para a exibição.
Política na tela
Apesar das temáticas diversas, a própria seleção tem se pautado, de uma forma ou outra, por temas sociais ou com abordagens que tocam em assuntos como resistência política ou estética. É o caso do longa de abertura, Cinema Novo, exibido fora de competição, que valoriza, entre outros aspectos, o comprometimento revolucionário do movimento e a temática social da maioria de seus filmes. O longa gaúcho Rifle também critica o modelo predatório de agronegócio e seu protagonista se revolta contra o sistema de forma violenta.
Martírio, documentário de Vincent Carelli sobre a resistência dos Guarani-Kaiowá frente ao Congresso e ao poder da elite do agronegócio, é um envolvente manifesto contra a bancada ruralista na Câmara e no Senado. O Último Trago, longa de ficção do Ceará, tem como protagonistas representantes de grupos como índios, negros e mulheres, tradicionalmente as maiores vítimas das desigualdades sociais e da violência desde a colonização.
Em um dos curtas mais aplaudidos, Estado Itinerante, a violência contra a mulher grita na tela, no caso uma cobradora de ônibus. A diretora Ana Carolina Soares criticou uma medida recente no sistema de transporte em Belo Horizonte, que é a extinção dos cobradores de ônibus, resultado, segundo a cineasta, do total descompromisso com os trabalhadores e o consequente aumento do desemprego.
A discussão sobre a atual conjuntura política do País também chegou aos debates sobre os filmes. Tanto dentro do cinema como nos vários espaços para a reflexão organizados pelo festival, praticamente não se ouviu até agora a defesa do novo governo ou de sua gestão em qualquer área, com destaque, obviamente, para o segmento cultural.
A colunista de ERMIRA viajou a convite da organização do Festival de Brasília