Com exceção, ao que parece, do próprio laureado, que até agora não se dignou a dar um pronunciamento público sobre a honraria que recebeu e ignorou as inúmeras tentativas de contato da Academia Sueca, o Prêmio Nobel a Bob Dylan encheu de orgulho seus compatriotas. Pelo menos é o que se pôde ver nas notícias veiculadas nos meios de comunicação, mostrando o entusiasmo do público, de artistas e políticos norte-americanos diante do anúncio da premiação – salvo alguns escritores, como Joyce Carol Oates, ela própria uma eterna candidata ao prêmio, que criticou duramente a escolha de Dylan. Um outro autor norte-americano, no entanto, que recebeu o Nobel de Literatura na década de 1960, não mereceu o mesmo apoio dos seus concidadãos.
Por toda parte na imprensa dos Estados Unidos houve reações virulentas ao anúncio de John Steinbeck (1902-1968) como vencedor do Nobel de 1962. O The New York Times publicou uma série de artigos criticando duramente o então novo Nobel de Literatura, qualificando-o de um escritor de “talento limitado” e que não tinha deixado uma marca profunda na literatura do século 20 para merecer tal distinção.
A verdade é que nem o próprio Steinbeck se mostrou muito convencido de que estava à altura da mais importante homenagem do mundo das letras. “Em meu coração pode haver dúvida se eu mereço o Prêmio Nobel, em vez de outros homens a quem eu respeito e reverencio”, admitiu ele na cerimônia de entrega da premiação.
Cinquenta anos depois dessa polêmica literária – período durante o qual foram distribuídos Prêmios Nobel de Literatura a gente de quilate bem inferior a Steinbeck −, novas revelações pareceram dar razão aos detratores do autor de As Vinhas da Ira. Em 2013, o jornal sueco Svenska Dagbladet divulgou documentos segundo os quais a Academia Sueca concedeu o prêmio a Steinbeck por “falta de opção”, porque ele era o melhor de um “lote ruim” de 66 autores de vários países avaliados pelo júri naquele ano – o único nome que poderia se sobrepor ao de Steinbeck era o da escritora dinamarquesa Karen Blixen, mas ela morrera um mês antes da divulgação do prêmio, em setembro de 1962. Nesse lote também não estavam incluídos autores como Jean-Paul Sartre, que ganharia o Nobel em 1964 e daria uma bela esnobada na Academia, recusando-se a receber o prêmio.
Mas por que tamanha rejeição a Steinbeck? Embora seja menos lida hoje, sua obra desfrutou de imensa popularidade em todo o mundo. Seus críticos, no entanto, desdenhavam esse sucesso e tachavam seus livros de sentimentaloides.
Todavia, malgrado os altos e baixos de sua produção literária – e quando recebeu o Nobel, o auge da carreira do autor de fato já tinha ficado para trás −, Steinbeck jamais poderia ser reduzido a um mero autor de best-sellers, feitos na medida para agradar o gosto médio dos leitores. Seus livros não só continuam fundamentais para entender a cultura e a história norte-americanas, mas nos ajudam a compreender o nosso próprio tempo.
Seu romance mais famoso, As Vinhas da Ira, apesar de ambientado no período da Grande Depressão nos EUA, na década de 1930, continua de uma atualidade impressionante ao retratar a realidade dos camponeses expulsos de suas terras (a adaptação do romance para o cinema rendeu um dos mais belos filmes de John Ford, com Henry Fonda no papel principal). Ratos e Homens aborda de forma pungente o drama dos trabalhadores migrantes. O Inverno de Nossa Desesperança, um de seus últimos romances, é uma espécie de fábula moral sobre a ambição – só para citar alguns.
Embora não fosse abertamente engajada, a literatura de Steinbeck sempre tomou partido. Sua obra procurou dar voz aos párias sociais, aos excluídos, àquela parcela de gente silenciada pela miséria e pela exploração capitalista – e talvez tenha sido exatamente essa postura do autor que tenha desagradado tanto seus críticos. Porém, uma trajetória como essa não seria digna de um Nobel?
Perfil
John Steinbeck nasceu em 1902, em Salinas, na Califórnia (EUA). Espírito rebelde, abandonou os estudos na Universidade de Stanford, para peregrinar pelos Estados Unidos. Neste périplo, conheceu de perto e experimentou na pele as duras condições de vida dos operários e camponeses norte-americanos, trabalhando em plantações, na construção de uma rodovia e até em uma indústria de sardinhas. Essa vivência e esses cenários aparecem depois em várias de suas obras. Aos 33 anos, seu primeiro livro, Tortilla Flat, caiu nas graças do público, abrindo o caminho para o grande sucesso de obras posteriores como As Vinhas da Ira e Vidas Amargas. O autor foi ainda correspondente na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã. Ele morreu em 1968.