(Curadoria de Luís Araujo Pereira)
[1]
Ignomínia
Hei de matar-te um dia.
Não dessas mortes cotidianas.
Hei de matar-te aos pouquinhos.
Sangrando devagarinho.
Te fazendo morrer.
E essa dor que hás de sentir
Será igual à minha já defunta.
Não sentirei pena nem nada.
Terei nos lábios apenas
Esse sorriso gelado dos sádicos
Que sentem orgasmos com o sofrimento do amado.
Depois estarei refeita.
E colocar-te-ei num ataúde frio.
Ainda levarei flores todos os dias.
Rogarei a Deus por teu perdão
E me masturbarei com a lembrança tua.
[2]
Polaroide
Nosso retrato na parede
tornou-se claro, opaco.
Seguras as minhas mãos
e rimos não sei mais de quê…
se de histórias ou fantasias…
Eternamente rimos.
Nossas bocas se procuram
se misturam ao redemoinho
de um tempo antigo
em que éramos gratos e felizes.
− Por que não sais daí
e me dás um daqueles beijos?
Pego tuas mãos,
mas elas não me respondem.
Elas sequer existem mais.
Ah, se eu tivesse o poder
de me teleportar para esta tarde
em que juntos, sorrindo,
nos deixamos retratar.
[3]
Epifania
Queria pescar o sono
com varinha de condão!
Vem, mestre do sonho, Sandman,
sopra tua areia dourada
nos meus olhos entreabertos!
Me leva ao teu castelo
de encanto e sedução.
Não permitas que eu sonhe
tristezas e desventuras.
Quero beijo na boca
suavidade de água caindo na pedra,
voo de pássaro no céu.
[4]
Supérfluo
Fazer poesia
é como colocar o lixo
pra fora:
religiosamente,
todos os dias!
Mas penso
que, como lixo,
nada presta.
Já quiseram me lançar,
publicar, sei lá…
(Isso numa época em que eu era aí
musa de não sei qual artista.)
Insisto sempre:
acho que não tem serventia
para nada…
é lixo.
Certa vez,
um enamorado,
que se dizia apaixonado,
levou meu caderno de poemas consigo
e nunca mais apareceu.
Em outra,
esqueci os esboços
em um bar.
Anos após,
uma amiga
me presenteou
com esse mesmo exemplar.
Sorte ou azar?
Sei de um também apócrifo
que está com Áurea,
que herdou de um amigo
que já partiu
para outra galáxia.
Os poemas, como me disse Cássia,
afinal, nunca deram camisa!
[5]
Paráfrase (?)
Certa feita,
uma dama
quis tomar-me
um namorado!
(“Essa dona já tem tantos que
nem se dá aos cuidados…”)
− Pode levar, não me faz falta!
Use e abuse, se lhe apetece.
Ela levou, mas se arrependeu!
Voltou sem ele, consternada.
Muitos séculos se passaram
e um dia ele aparece
cheio de saudades.
Disse a ele:
− Fique por aí,
se precisar, aviso
mas não quero homem.
Perfil
Dairan Lima considera que é poeta por costume e um pouco por insistência. Nasceu em Dueré, Tocantins, na beira do rio homônimo e veio para Goiânia aos 17 anos. Fez o curso de Letras na Universidade Federal de Goiás, nos anos 1980. Foi professora do ensino fundamental na Prefeitura de Goiânia e ainda se considera como tal, apesar de estar aposentada. Ao longo da vida, sempre participou de concursos literários e sempre escreveu, mas só recentemente publicou o seu primeiro livro, Vermelho, em 2016, pela Editora Nega Lilu (Selo Pantheon).
Surpresa boa! Quero ler o livro da Dairan Lima. Muito prazer!
Obrigada, Vera Gomes, prazer falar com você, vamos marcar um café pra vc levar o Vermelho!