Embora nem todos na cidade se dessem conta, naquele bosque perfumado vivia, a longos quilômetros do núcleo urbano, um enorme lobo que era o protetor de todos os animais, roedores e répteis, inclusive dos frágeis vaga-lumes e dos esquivos beija-flores − até das delicadas joaninhas era defensor. Pelo seu julgamento imparcial e rigoroso, pelas decisões que tomava para proteger a mata das agressões externas, era temido e respeitado. Um lobo que, afinal, não era mau nem bom − era apenas justo e sonhava, como todos lobos sonham, com um acordo razoável entre animais e homens.
Segundo uma sabedoria prudente, não se deve ameaçar certas espécies de lobos. Ainda mais nesse caso particular, pois se tratava de um canídeo que descendia de uma estirpe muito feroz, nobre e antiga, da época dos castelos e de batalhas sem tréguas, quando os lobos eram então chamados de lupus. Os indivíduos dessa linhagem são os mencionados no folclore − e, êxito raro, os únicos que lograram a condição de personagens das fábulas, dos contos de fada, das narrativas góticas e dos filmes de terror.
Árvores em profusão, arbustos elegantes, riachos e inofensivos pântanos − esse bosque tinha uma vegetação esplêndida, quase imaculada, oloroso pelas suas tantas flores. Era apenas um bosque, o das histórias infantis. O bosque da fera, onde se encontrava a melhor clorofila.
Para manter o equilíbrio do ambiente, o lobo só se alimentava de animais com superpopulação. Naquela sociedade, essa era uma regra aceita sem contestações, uma vez que valia para todos os animais cuja cadeia alimentar incluísse a carne.
Sem mais nem menos, num certo dia, chegou à cidade um famoso caçador que não escondia os seus maus instintos. Ele vinha dos Estados Unidos, um país que sempre cultuou a caça, seja aos índios, seja a todo ser vivente que cabe numa panela. De acordo com as notícias, exibia nas salas e nos corredores de sua mansão cabeças de animais abatidos por hobby em diversas partes do mundo.
Numa reunião social de boas-vindas, soube da existência do bosque onde vivia um magnífico lobo. No mesmo instante, imaginou a cabeça dessa fera enfeitando a sua lareira e começou a babar e a grunhir de satisfação. E foi assim que esse caçador de coração impiedoso ofereceu-se para matá-lo.
Na residência onde fora realizada essa reunião, uma ave tagarela ficou sabendo da intenção do caçador e, quando foi possível, palrou a novidade para as andorinhas que descansavam no beiral do telhado. Sem perda de tempo, elas voaram para o bosque.
O temível lobo, então, preparou-se para enfrentar o notável caçador.
Estufado de autoconfiança, o caçador dispensou ajudantes e foi sozinho à procura do lobo, munido de um belo rifle e farta munição. Ignorando o senso do ridículo, metido num uniforme cáqui, estava vestido à maneira do lendário Jim das Selvas.
Antes que tivesse completado um quilômetro dentro da trilha mais sombria do bosque, o lobo pulou de repente sobre os seus ombros e imobilizou-o. Borrando-se todo de pavor, implorou, com voz miúda e mãos trêmulas:
“Tenha misericórdia, senhor lobo, não me mate!”
Súplica inútil porque, com as suas mandíbulas de aço, o lobo quebrou o pescoço e arrancou a cabeça do caçador. Os carnívoros banquetearam-se e, depois, espalharam os ossos em diferentes localidades.
Após repetidas e malogradas buscas, o caçador foi considerado desaparecido. Em seguida, as autoridades arquivaram o caso. Por ser vulgar e sem causar incômodo diplomático, foi logo esquecido.
Como o bosque não tinha salas, nem corredores, nem museus, um macaco esperto levou a cabeça do caçador para o alto de uma árvore, onde, com a ação dos vermes e das intempéries, ela se transformou numa caveira encardida.
Era o troféu dos animais do bosque − e a ordinária lembrança de um homem que, durante muito tempo, ocupou-a − essa careta risonha − com a sua selvageria e a sua indecência.
Adorei a fábula. Um certo suspense, num texto fluente e com um final magistral.
Luis, eu fiquei imaginando os movimentos da sua mente na composição dessa fábula. É um vai e volta de uma pessoa que leu muito, viveu muito e, generosamente, compartilha essa linda fábula. Abraços
Adorei a Fabula.
Minhas queridas, agradeço os comentários. Bjos