Nada era mais triste do que ouvir, num final de domingo, os sinos da igreja de Saint-Médard. Como eles soavam pesados e plangentes! No inverno, então, a cada toque, sentia o trespasse da alma − um tango dorido de Gardel, um fôlego atrás do último ar, uma melancolia que só um adágio de Brahms é capaz de descrever.
Essa angústia que nascia da tristeza, de quem sentia o estranho mas procurava o familiar, não era, sem dúvida, a hostilidade do território que tinha de ser domesticado todos os dias − o olho nas linhas de ônibus e de metrô, a memorização da cartografia da cidade. Nesse conjunto, os sinos eram sentidos cifrados que imploravam uma aprendizagem tão rica quanto a dos boulevards e a dos museus, se me faço entender.
Essa igreja fica na Rue Mouffetard, uma das mais antigas de Paris. Traçado de um caminho gaulês, era ponto de partida da estrada que conduzia a Lyon e a Roma. Na parte de baixo, antes da Censier, existe um mercado surpreendente, cujas bancas são armadas nas calçadas. Não importa as estações, ele expõe a cidade e o país, com os seus frutos da terra e do mar.
Não era apenas a diversidade humana que continuava a passar por ali depois de tantos séculos − era, além das razões que incluem a gastronomia, o comércio ao ar livre de tudo que é possível ser consumido e apreciado numa mesa, o vegetal mais tenro e a caça menos previsível, o exótico e o comum. De todos os povos latinos, os franceses são os que mais acreditam nas possibilidades culinárias. Por isso, não é sem razão que eles dominam o doce e o sal com savoir-faire.
Longe do inverno, quando o tempo era bom, numa manhã de verão, por exemplo, você poderia, se fosse um afortunado em Paris, ouvir os músicos que tocavam nas esquinas, caso descesse essa rua plena de surpresas e aromas, de turistas e de matizes. Nos diversos encontros com as variações urbanas, se você gostasse do músico e tivesse um franco esquentando no bolso, ele saberia certamente apreciá-lo mais tarde…
No final das contas, eram os mesmos músicos do metrô − só que agora sob os céus e os telhados de Paris, num verão que não transpirava, mas oferecia um azul que ensandecia os parques, as flores, os passarinhos e os insetos.
No inverno, porém, a cada toque desses sinos, eu sentia a lâmina da depressão − porque era domingo e o mundo parecia um simulacro do caos, uma energia plúmbea que, por ser pesada, afundava-me na angústia úmida de um pântano indizível.
Vazio, desfigurado, impossível de ser tocado pela comiseração de uma fada e de me salvar do néant, eu levantava a cabeça das águas pesadas como chumbo e respirava apenas uma molécula − só uma − para que minha vida não fosse curta e incompreendida.
Para que eu sobrevivesse a esse inverno, abria um borgonha e ouvia menos exasperado os martelos batendo nos bronzes.
Na história cristã, a igreja de Saint-Médard é muito antiga − seus primórdios fincam-se no período dos merovíngios. Parece que Saint-Médard nasceu em 457 e foi conselheiro dos reis. Nunca localizei o seu nome nas hagiografias, embora alguns milagres sejam atribuídos a ele. Em todo caso, frequentava a sua igreja e acendi várias vezes um círio para que o meu pai se restabelecesse.
A nave dessa igreja expõe uma pintura de Francisco de Zurbarán, um artista barroco espanhol. Eu olhava para as cenas religiosas, para o círio aceso − e sentia a solidão e a descrença.
Não era a solidão do estrangeiro − era apenas a minha solidão, desajeitada e inclemente, para a qual nunca encontrei até hoje uma oração ou um poema que me consolasse.
Tão doce, tão poético. Falar de sentimentos e sensibilidades à flor da pele, por isso do mais profundo da alma. Merci