(Curadoria de Luís Araujo Pereira)
[1]
Mandalas
Morangos
eram
teus sentimentos.
Vermelhos
como o amor feito
diante dos espelhos.
Mais áridos,
amargos.
Sou mais o cio
da melancia
aos teus morangos
feios.
Sou mais
as doces peras
mudas
dos meus seios.
̻ ̻ ̻
[2]
19
Quando virás ao meu jardim?
Esperarei a festa da colheita
e tu rirás de mim.
Baco tarda
mas não falta.
Colherei enfim
no teu sorriso, Áthis,
o meu grão de mostarda.
̻ ̻ ̻
[3]
O poeta
O poeta torna eterna
a coisa que se acaba:
é uma luz
de lanterna,
escolhendo os focos.
O poeta seduz
e atinge a glória,
para ser consumido
pela inveja
dos que não têm asas
nem história.
O poeta é um ritual
de sacrifício
buscando, embevecido,
o imbuscado.
É um danado, o poeta
e seu nome:
vive de palavra
e morre de fome.
̻ ̻ ̻
[4]
8 a – (dentro do morto)
Começo a viver no mundo
sem Narciso.
A vida, um breu, uma cicuta.
Estou dentro do morto
e ninguém mais me escuta.
Há só desgosto,
nem eu mesma me ouço
e sou um só lamento.
O que é que aconteceu?
Engulo vidro e areia,
tinta,
há cheiro de argamassa
e de cimento,
olho salgado e cego,
batidas de martelo.
Alguém vive sem ter
o coração por dentro?
Mastigo o parafuso e o prego.
Soam marteladas.
(As águas implacáveis.)
No morto, estou dentro.
̻ ̻ ̻
[5]
XII
Esse poema (e não este aqui),
esse poema é meu Helianto,
é só uma letra sem som, o esse, talvez.
Esse poema sempre é tudo aquilo
que desejo, procuro e não encontro.
Esse poema vem deitar comigo,
machuca, dói por dentro e me encanta.
Esse poema vem dormir comigo
e nem é meu amigo!
Esse poema é a indefesa estória
de se aprender, enfim, uns fundamentos:
nunca hei de querê-lo sempre
do meu lado; hei de querê-lo, poema,
às vezes, me tocando e não prisioneiro.
Perfil
Yêda Oscarlina Schmaltz nasceu em Recife (PE) em 8 de novembro de 1941 e faleceu em 10 de maio de 2003, em Goiânia. Graduou-se em Direito e Letras Vernáculas. Foi professora de Estética e História da Arte no antigo Instituto de Artes, hoje Faculdade de Artes Visuais (FAV), da Universidade Federal de Goiás. Ao longo de sua carreira literária, recebeu diversos prêmios. Foi uma das fundadoras do Grupo de Escritores Novos (GEN). Além de dois livros de contos (Miserere e Atalanta) e um de ensaio (Os Procedimentos da Arte), publicou os seguintes livros de poemas: Caminhos de Mim (1964), Tempo de Semear (1969), Secreta Ária (1973), O Peixenauta (1975), A Alquimia dos Nós (1979), Anima Mea (antologia, 1984), Baco e Anas Brasileiras (1985), A Ti Áthis (1988), A Forma do Coração (1990), Poesia (antologia, 1993), Prometeu Americano (1996), Ecos: A Joia de Pandora (1996), Rayon (1997), Vrum (1999), Chuva de Ouro (antologia, 2000), Urucum e Alfenins (2002), Poemas de Goyaz (2002). Como já foi observado por vários estudiosos, a sua poesia revela inconformismo, primeiramente, por meio da rebeldia em relação à linguagem (Gilberto M. Teles, 1995); “posteriormente isso se amplia para o tom irônico e escarnecedor assumido pela voz lírica e feminina no interior de seus livros, sobretudo em sua obra madura, que compreende A Alquimia dos Nós (1979), Baco e Anas Brasileiras (1985) e A Ti Áthis (1988)”, conforme estudo de Paulo Antonio Vieira Júnior (2017). Em prefácio ao livro A Forma do Coração, Darcy França Denófrio resume assim o seu projeto poético: “Tentando realizar uma obra de arte capaz de resistir ao tempo, Yêda produz uma literatura plena de sentido. Assim sendo, seu discurso feminino-feminista vai deixando nas sendas do tempo as marcas de sangue desta que se confunde com a mulher ancestral no curso de sua dura história. Inscreve no seu texto a ferro e fogo o seu timbre inconfundível, mas este será sempre, também, o selo da mulher universal. Nenhuma obra em Goiás, no seu todo, foi tão feminina e tão conscientemente feminista, como a de Yêda, sem aquela exarcebação que frequentemente a tem diminuído, enquanto arte.”