“Eu sempre pensei que um homem jamais deveria dizer ‘não’ a uma mulher, mesmo que ela o merecesse” − foi isto o que o cara me disse enquanto eu estava sentado na banqueta do balcão degustando um uísque.
Eu me encontrava num restaurante agradável da cidade, o único que me foi indicado e que poderia abrigar ali por algumas horas um viajante que procurava uns drinques, uma refeição decente, um pouco de paz e, como recompensa, um travesseiro macio.
O cara apareceu de repente e, sem pedir licença, ocupou o lugar vazio ao meu lado. Pelo espelho que ficava diante do balcão, eu o vi aproximar-se: era um sujeito de ombros caídos e olhos de cachorro triste. Ele me examinou de esguelha e perguntou-me se eu estava esperando alguém. Eu respondi que não. A conversa que ele entabulou em seguida incluía futebol, política e, claro, mulheres, sobre as quais fazia todo tipo de consideração. Ele não se cansava de emitir sentenças como estas:
“São aquelas que tomam banho de perfume e, quando este acaba, ficam reclamando do preço do Chanel 5; são aquelas que causam curto-circuito e entortam a cabeça de um homem…”
Como se vê, a sua conversa não era das mais estimulantes, mas, sem exigência, dava para gastar o tempo, uma vez que eu estava entediado por ser obrigado a pernoitar naquele burgo, uma cidade onde tive de parar por causa do cansaço, pois dirigira o dia inteiro. Eu estava a muitos quilômetros do meu destino final. Depois de muita parolagem, quando começava a ficar entediante, pagou a sua conta e foi embora.
“Adeus, estranho, você é só mais uma conversa mole nas minhas intermináveis noites de forasteiro.”
Eu tinha chegado àquela cidade havia algum tempo e procurava um hotel. Pra não perder tempo, parei num ponto de táxi e perguntei a um dos motoristas onde ficava um bom hotel. Ele me sugeriu o Madri. Depois me informou:
“O Don Juan, o restaurante espanhol agregado ao hotel, fica bem próximo” ̶ e me apontou a direção com um movimento de cabeça.
Após ter me instalado no hotel, desci à rua para conhecer o restaurante que tinha sido indicado. O nome estava gravado na fachada com luzes néon que alternavam as cores das letras.
Além de uma bebida e de uma ceia razoável, eu não sabia o que procurava ali, fora a curiosidade natural do forasteiro de descobrir um lugar interessante, divertido, atraente ̶ e que o faça esquecer da longa viagem e, pior, que o faça também esquecer dos intermináveis caminhos que teria ainda de percorrer.
Com esse propósito, empurrei a porta e me encontrei dentro de uma antessala com duas entradas laterais. A porta da esquerda foi aberta de uma vez e me deparei com um maître de cabelos ruivos que me ofereceu uma fresta do lugar e depois perguntou:
“É a primeira vez no Don Juan?”
Assim que entrei, dirigi-me diretamente ao balcão, pois, quando estou sozinho, uma longa prancha de madeira na horizontal é o melhor lugar para os tragos repousarem; depois escolheria uma mesa e solicitaria o cardápio.
O barman perguntou-me então qual a bebida.
“Jack Daniel’s, com duas pedras de gelo, por favor.”
Para dar uma geral no ambiente, girei a banqueta e obtive uma visão do restaurante que tinha ficado provisoriamente escondido às minhas costas. O Don Juan não era um espetáculo, mas tinha um encanto que poucos do mesmo gênero poderiam oferecer, não só pela decoração bem-arranjada de quadros com motivos flamencos, mas, sobretudo, pela iluminação indireta e pela disposição das mesas, distribuídas com equilíbrio e graça no salão, um abajur derramando a sua luz pálida sobre cada uma delas.
Enquanto estava à vontade no meu terceiro uísque, sem mais nem menos, uma mulher sentou-se ao meu lado. Num relance, não sei se vi a Andaluzia em seus olhos, os cílios longos, prolongando os olhos de águas mansas, essa fantasia da suavidade que umedece. Ou, de outro modo, em outro relance, se vi uma musa do Mediterrâneo: qual homem não gostaria de mergulhar naqueles olhos úmidos de mar?
O barman aproximou-se de novo.
“Se o moço aqui ao meu lado me oferecer um drinque, eu aceitaria um escocês, bem caprichado” ̶ e deu uma piscadela.
O barman sorriu discretamente e foi preparar o uísque.
De algum lugar do meu cérebro, veio-me a lembrança do cara com olhos de cachorro triste que, mais cedo, no mesmo lugar, disse-me também que as mulheres notáveis, aquelas que nunca queremos abandonar, são as que aparecem em nossa vida quando menos as esperamos, quando a monotonia é insuportável e estamos enfarados de solidão, que nos murcha todos os dias.
Eu vivia ali, naquele exato momento, ao lado dessa mulher magnífica, a paráfrase que o cara havia dito. É por isso que pergunto: uma paráfrase pode uivar de desejo?