Há momentos em que as pessoas revelam-se involuntariamente. Transmitem, por sua conduta, algum atributo, caráter, intenção, sentimento. Ou será a sensibilidade de quem cruza o seu caminho que fica com a viva impressão?
Às vezes fazemos amigos mais que bissextos, que nos deixam sólida noção de amizade. Tive essa impressão de respeito sincero na seriedade paulistana do Otavio Frias Filho, que um dia encontrei nos idos de 1996, na casa da fotógrafa carioca Ana Quintella, então aventurando-se na vida em Sampa, onde fizera, com texto do jornalista que nos deixa precocemente, a exposição fotográfica Por Acaso, com fotografias em dupla exposição.
Eu chegava da Índia munido de reportagem com os tibetanos no exílio, e uma entrevista com o Dalai Lama. Era um projeto iniciado a partir do trabalho de fotojornalismo do Marcos Prado, agora evoluindo para publicação autônoma na grande imprensa.
Para os budistas não existe acaso no sentido de negação e sim a interdependência, manifesta na lei da causalidade. Por esse prisma nenhum encontro seria fortuito. Assim fomos recebidos na Índia pelos tibetanos exilados − no espírito construtivo de que só se chega ao encontro devido ao mérito. Por vezes, a questão por trás da palavra com prefixo de negação torna-se semântica, quando usam acaso como sinônimo de co-incidência. Por vezes é mesmo negativa, cética ou filosoficamente outra.
O Otavio chegou muito tenso da Folha, bem diferente de nós, ainda vivendo a tranquilidade atribulada e o sonho da juventude e da arte. Mas relaxou na casa de sua amiga de fé. Relatei a ele os encontros que tivera em outros veículos de comunicação, que me deixaram (não disse isso a ele) francamente decepcionado, pelos ouvidos moucos. E o nosso trabalho acabou sendo publicado, numa segunda-feira, em duas páginas memoráveis na Folha de S. Paulo.
Lembro, nas brumas da memória, de artigo na mesma Folha, creio que do escritor mineiro Otto Lara Resende, que com graça narrava o espanto do paulista no Rio de Janeiro, ao ver a luz e a sombra em tons da cidade marítima. Em sítio onde a natureza foi preservada, a luz cristalina surpreendera o paulistano, habitante da selva de pedra e devoto do trabalho, subitamente revelada, segundo a doce crônica mineira.
No mesmo estertor do século, creio que um ano antes, em 1995, fomos a uma passeata pela paz no centro do Rio. Cheguei para encontrar o Otavio, sob os auspícios da Ana, que ficou gozando ele, perguntando por que ele não usava uma simples camisa branca como a minha. Como gostava de bradar o Glauber, a memória é uma ilha de edição! Mas lembro bem que no fim da jornada levei o novo amigo paulista ao bar Paladino, muito antigo no Rio. Ele ficou fitando o bar com ares de respeito e curiosidade, digamos, histórico-antropológica. Estava mentalmente analisando. Acho que na crônica seguinte relatou sua impressão da aventura no Rio.
Era um homem especial e atento, que trabalhou pelo Brasil e pelo pluralismo e valentia da imprensa. Como se pode ver na sua carta aberta ao então presidente Collor, uma das pérolas do livro Seleção Natural (Publifolha, 2009), que há meses descobri em estante de livraria carioca. Valeu, Aninha, o cara era mesmo bom.