Em boa parte do mundo, os museus estão entre os maiores atrativos do lugar. Quem vai à França quer visitar o Louvre. Quem passeia em Nova York costuma colocar no roteiro uma passada no Metropolitan ou no MoMa. E como ir ao Vaticano e não ver papa e o conjunto de museus da Cúria Romana? E quem vai a Madrid precisa conhecer o Prado e o Rainha Sofia; e a quem passa pela Cidade do México recomenda-se uma visita à Casa Azul, onde viveu Frida Khalo; e quem vai a Buenos Aires precisa reservar um tempinho para o Malba e por aí vai.
Do Smithsonian, em Washington, ao Hermitage, em São Petersburgo; do Museu Van Gogh, em Amsterdã, à National Gallery, em Londres; do Museu Egípcio, no Cairo, à Galleria dell’Academia, em Florença, esses espaços são nobres, verdadeiros patrimônios, inestimáveis riquezas que as nações, por mais turbulentas que sejam, tentam proteger. Mas o Brasil é o Brasil e a exceção nesse item aqui também se faz. Vivemos num lugar onde deixamos que nossa memória arda nas chamas do descaso, do pensamento curto que só retira verbas de onde não pode para manter privilégios onde não deve.
A reforma do Maracanã ou a do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, com todos os seus aditivos, luxos e desvios, consumiu, cada uma, algo em torno de 1,2 bilhão de reais. A verba anual de manutenção do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, o mais simbólico, antigo e importante do País, eram de ridículos 500 mil reais. Deparamo-nos, assim, com a vergonhosa constatação de que as obras de um estádio correspondem a 2 mil e 500 anos de manutenção de um dos maiores centros de nossa memória. Dois mil e quinhentos anos que talvez seja a idade das múmias egípcias que deixamos queimar dentro do museu, perdendo-as para sempre.
A quantidade de dinheiro equivalente a um apartamento de 3 ou 4 quartos em um bairro nobre, com cerca de 120 metros quadrados, era o que o governo se dignava a destinar para conservação, durante todo o ano, de um palácio com 13 mil metros quadrados, que abrigava mais de 20 milhões de itens e era a sede de alguns dos mais relevantes estudos realizados no Brasil. Por certo ainda achavam muito, já que nem essa quantia era disponibilizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mantenedora do museu, por não ter recursos a repassar diante dos cortes drásticos de verbas que sofreu nos últimos anos.
Para completar, o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, um Estado falido pela corrupção e a incompetência, não teve no momento as melhores condições para trabalhar no combate ao fogo. E as chamas consumiram 200 anos de História, pesquisas únicas, bibliotecas que jamais serão refeitas, documentos que contavam nossa trajetória, mobiliário que não existia em outro lugar. Queimaram Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas. Queimaram os esqueletos de dinossauros e mamíferos gigantes que foram encontrados em nosso território e ajudaram a contar a evolução das espécies. Queimaram registros de nosso Império, de nossa Independência, da República. Queimaram tudo.
Queimou até o nosso filme lá fora. É inconcebível que um museu inteiro desapareça com todo o seu acervo. Quando este é o museu mais importante de um país, chega a ser inacreditável. Algo que só acontece em países em guerra, como foi no Iraque há cerca de 15 anos. Por ausência de governo e eleição equivocada de prioridades, é duro de engolir. Durma-se com uma labareda dessas. Com as tecnologias disponíveis, incêndios dessas proporções são raros. Quando começam, logo são controlados. Isso quando há investimento para tanto. Quando a cultura, a memória, o patrimônio são deixados em último plano, tais catástrofes deixam de ser acidentais para se tornarem previsíveis.
Vivemos tempos sombrios em um país estranho. Dia desses, grupelhos estavam fazendo escândalo na porta de um museu por conta de uma mostra. Muitos deles sequer entraram uma vez na vida num museu, diga-se de passagem. Não entraram e não se interessam por entrar. Agora, as mesmas pessoas, que costumam ver a arte como coisa de “esquerdopatas” ou “tarados” tentam impingir a culpa da tragédia do Museu Nacional à Lei Rouanet, aos artistas e pessoas da cultura, exatamente aquelas que sempre defenderam essas instituições contra ataques insanos – ou incendiários. Estamos vivendo um pesadelo. Agora no museu, mas não só nele. As chamas destruindo nosso passado ilustram a transformação de nosso presente e, sobretudo, de nosso futuro em cinzas.