No sábado, centenas de milhares de mulheres saíram às ruas para gritar que elas não são objetos, que exigem respeito, que não vão aceitar mais as violências a que historicamente são submetidas por uma sociedade machista e patriarcal. Com o slogan #EleNão, elas reafirmaram que não pretendem acatar caladas e submissas os ataques desferidos por discursos de ódio e preconceito, de desvalorização e de chacota com que costumam ser tratadas sem o menor pudor, sem que haja sequer a preocupação de se disfarçar abomináveis expressões arcaicas e doentes.
As imagens, como de praxe hoje em dia, tomaram as redes sociais e logo foram bombardeadas por aqueles que discordam dessa postura autônoma, que acreditam que o movimento #EleNão é apenas um fenômeno político “esquerdopata” contra o “mito” que apoiam para a Presidência da República. Esse mesmo “mito” que já declarou que acha natural que a mulher ganhe menos que o homem para exercer o mesmo cargo; que já disse que não contrataria mulheres porque engravidam; que avaliou que o fato de ter tido uma filha deve-se a uma “fraquejada” que deu; que berrou certa vez que não estupraria uma oponente política porque “ela não merecia” “porque ela é muito feia, não faz meu gênero”.
Entre o candidato e uma assustadora parte de seus eleitores, há uma identificação quanto a essas deploráveis manifestações machistas e sexistas. A misoginia se expressa em ataques virtuais contra o grupo do Facebook Mulheres Contra Bolsonaro, no fato de os comentários postados sobre os protestos trazerem essa carga nefanda de intolerância e ódio contra as mulheres que participaram das passeatas de sábado, no discurso, em cima de um palanque, de um dos filhos do candidato, que assegurou que “mulheres de direita são mais bonitas que as da esquerda. As mulheres de direita têm mais higiene”.
“Há apenas a ofensa mais rasteira, a compulsão em tentar, como sempre foi feito, que a mulher abaixe a cabeça, que se depile, que se embeleze, mas que não tenha opinião própria, que não incomode com suas demandas, que não conteste as ordens dadas.”
Em todas essas falas é fácil identificar a mentalidade que as guia. A mulher, para quem assim se posiciona, deveria ser um objeto perfeito, lindo e limpo, para o pleno uso e desfrute de seu dono. Não há menção às ideias, não há a discordância no campo dos argumentos, não há a possibilidade de diálogo. Eles não as respeitam como iguais, não as consideram dignas de outras interações que não sejam as que pertençam ao universo do corpo, do sexo. Há apenas a ofensa mais rasteira, a compulsão em tentar, como sempre foi feito, que a mulher abaixe a cabeça, que se depile, que se embeleze, mas que não tenha opinião própria, que não incomode com suas demandas, que não conteste as ordens dadas.
Os expressivos números de casos de feminicídio e de agressões contra as mulheres são outras provas desse sentido que se quer emprestar a uma relação que precisa, para os machistas de plantão, ser desigual. A estudante mineira covardemente agredida por seu namorado nos Estados Unidos gravou a briga, em que o criminoso que lhe arrebentou a cara gritava: “Você é burra! Você acha que é o homem da relação, mas você não é. Você é uma mulher. Aceita sua realidade!” E dizia isso dando-lhe socos, chutes, batendo o rosto da companheira no chão.
E algo parecido, e ainda mais terrível, aconteceu no interior do Paraná, em que câmeras de vigilância de um condomínio registraram um marido perseguindo sua esposa no estacionamento do prédio, espancando-a no elevador. Depois, ela morreu, jogada da varanda de um apartamento. Não há como fechar os olhos, ironizar, desmerecer a gravidade da situação que esses casos nos revelam. A violência contra a mulher é atávica, disseminada, arraigada em nossa sociedade e é preciso combatê-la de frente, sem amenizações. Mas para isso é preciso que haja vontade política, desejo de melhorar essa mentalidade torpe. Quando o líder das pesquisas faz exatamente o contrário e encontra apoio massivo nas redes sociais às suas ofensas, é sinal de que o quadro tende a piorar.
“A violência contra a mulher é atávica, disseminada, arraigada em nossa sociedade e é preciso combatê-la de frente, sem amenizações. Mas para isso é preciso que haja vontade política, desejo de melhorar essa mentalidade torpe.”
O ex-presidente Lula também já soltou expressões de puro machismo, como quando se referiu, de maneira grosseira, “às mulheres de grelo duro do PT”. E é preciso refutar todas as declarações desse tipo, não importa de onde venham. A questão é que, atualmente, um candidato à Presidência tem feito dessas ofensas uma praxe, quase que um mote pessoal. O #EleNão de sábado, do grupo do Facebook com mais de 3 milhões de membros, não surgiram do nada. Essas reações são naturais e necessárias diante de sucessivas e reiteradas agressões do candidato da extrema-direita. Ele reclama e ataca, talvez não aceitando o fato que seu tempo, o de mandar a mulher calar a boca, já passou.