Tradução de Paulo Manoel Ramos Pereira
[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
Ode I, 11
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoë, nec Babylonios
tentaris numeros. Ut melius quidquid erit pati,
seu plures hiemes seu tribuit Juppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum. Sapias, vina liques, et spatio brevi
spem longam reseces. Dum loquimur fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.
Ode I, 11
Não busques saber ̶ é tolo ̶ como a mim, a você,
os deuses darão fim, Leucônoe, nem as babilônicas
magias tentes. O melhor é sofrer o que seja,
haja Júpiter dado muitos ou o último inverno,
este que agora o mar Tirreno choca contra as rochas.
Sê sábia, bebe do vinho, e faz um curto momento
a maior esperança. Enquanto falamos, nos foge
o tempo: colha o dia, e crê pouco no seguinte.
***
[2]
Ode I, 23
Vitas hinnuleo me similis, Chloë,
quaerenti pavidam montibus aviis
matrem non sine vano
aurarum et silüae metu.
Nam seu mobilibus veris inhorruit
adventus foliis seu virides rubum
dimovere lacertae,
et corde et genibus tremit.
Atqui non ego te tigris ut aspera
gaetulusve leo frangere persequor:
tandem desine matrem
tempestiva sequi viro.
Ode I, 23
A mim evitas como um cervo, Cloe,
que procura assustado sua mãe
nas montanhas, não sem medo
vão da mata e da ventania.
Se é chegada a Primavera num
arroubo, ou remexem as folhas verdes
lagartos, teu coração
e joelhos logo se tremem.
Mas atrás de ti não vou como bruto
tigre ou o leão getúlico, mortal:
desiste de ir para a mãe,
é já tempo de achar um homem.
***
[3]
Ode II, 20
Non usitata nec tenui ferar
penna biformis per liquidum aethera
uates neque in terris morabor
longius inuidiaque maior
urbis relinquam. Non ego pauperum
sanguis parentum, non ego quem uocas,
dilecte Maecenas, obibo
nec Stygia cohibebor unda.
Iam iam residunt cruribus asperae
pelles et album mutor in alitem
superne nascunturque leues
per digitos umerosque plumae.
Iam Daedaleo ocior Icaro
uisam gementis litora Bosphori
Syrtisque Gaetulas canorus
ales Hyperboreosque campos.
Me Colchus et qui dissimulat metum
Marsae cohortis Dacus et ultimi
noscent Geloni, me peritus
discet Hiber Rhodanique potor.
Absint inani funere neniae
luctusque turpes et querimoniae;
conpesce clamorem ac sepulcri
mitte superuacuos honores.
Ode II, 20
Não serão comuns nem frágeis as asas
que a mim, poeta biforme, alçarão
ao etéreo céu, e mais em
terra não demorarei: maior
que a inveja, as cidades deixo. De pobres
o filho, eu, por quem clamas, eu, querido
Mecenas, não morro, nem as
ondas do Estige impedir-me-ão.
Agora mesmo enrugar sinto a pele
das pernas, em branco e celestial
pássaro torno-me; e leves
penas nos ombros e dedos crescem.
Agora, ágil quanto o Ícaro dedáleo,
visito a costa do choroso Bósforo,
as Sirtes e as mais hiperbóreas
campinas, eu, tal ave cantante.
Conhecer-me-ão Colco e Daco, que
o medo esconde da coorte marsa,
e os distantes Gelonos; bem
me estudarão tanto Ibéria e Ródano.
Não haja, em meu esvaziado funeral,
tristes cantos e vergonhosos prantos;
reprime os lamentos ̶ à tumba
envia as supérfluas honrarias.
***
[4]
Ode III, 9
Donec gratus eram tibi
nec quisquam potior brachia candidae
cervici juvenis dabat,
persarum vigui rege beatior.
Donec non alia magis
arsisti neque erat Lydia post Chloën,
multi Lydia nominis
romana vigui clarior Ilia.
Me nunc Thressa Chloë regit
dulces docta modos et citharae sciens,
pro qua non metuam mori
si parcent animae fata superstiti.
Me torret face mutua
Thurini Calais filius Ornyti,
pro quo bis patiar mori
si parcent puero fata superstiti.
Quid si prisca redit Venus
diductosque jugo cogit aëneo,
si flava excutitur Chloë
rejectaeque patet janua Lydiae?
Quamquam sidere pulchrior
ille est, tu levior cortice et improbo
iracundior Hadria,
tecum vivere amem, tecum obeam ibens.
Ode III, 9
̶ Enquanto fui-te encantador,
jovem algum, preferido, os braços pousava
em torno do teu pescoço cândido;
mais afortunado que o rei da Pérsia fui.
̶ Enquanto por outra não ardias,
e Lídia não era pela Cloe preterida,
um grande nome tive: Lídia,
mais conhecida que a romana Ília fui.
̶ Agora a trácia Cloe rege-me,
tão doce de modos e versada na cítara,
por quem sem medo poderia
eu morrer, se o destino sua alma poupasse.
̶ Queima-me a face tão igualmente
tal Calais, o filho de Órnito de Túrio,
por ele duas vezes morro,
se poupá-lo assim o destino, meu rapaz.
̶ E se o antigo amor nos volta, e
obriga-nos, ora separados, seu jugo?,
e se a loura Cloe partir,
e à Lídia as velhas portas tornam a abrir?
̶ Então, embora belo seja ele,
feito astro, e tu leve como uma cortiça e
bravo como Ádria, contigo
eu viveria bem, e grata morreria.
***
[5]
Ode IV, 10
O crudelis adhuc et Veneris muneribus potens,
insperata tuae cum veniet pluma superbiae,
et quae nunc humeris involitant deciderint comae,
nunc et qui color est puniceae flore prior rosae
mutatus Ligurinum in faciem verterit hispidam,
dices heu quotiens te speculo videris alterum:
quae mens est hodie, cur eadem non puero fuit?
vel cur his animis incolumes non redeunt genae?
Ode IV, 10
Ó cruel que grandes dons de Vênus ainda usufrui:
quando de supetão cobrirem o teu orgulho as penas,
e os cabelos que agora pousam nos ombros caírem,
e tua cor, agora mais rosa que a rosa em si,
mudar, Ligurino ̶ calhar-te-á um rosto ríspido ̶ ,
dirás a esse estranho, sempre que no espelho o encarar:
a mente de hoje, por que não a possuí em jovem?, ou
por que a este espírito não tornam aquelas feições?
Perfil
Quinto Horácio Flaco (Quintus Horatius Flaccus) nasceu em 8 de dezembro de 65 a.C. em Vanúsia, na região da Apúlia, e morreu em 27 de novembro de 8 a.C., em Roma. Filho de um escravo liberto, foi enviado a Roma para estudar com Orbélio. Em 44 a.C., seguiu para Atenas com o intuito de continuar os seus estudos. Alistou-se, porém, no exército de Bruto, que foi derrotado na Batalha de Filipos. Retornou em 42 a. C. a Roma, onde passou enormes dificuldades, pois o pai havia morrido e a propriedade que a família possuía fora confiscada. Trabalhou como amanuense no Ministério das Finanças, ao mesmo tempo em que escrevia os seus poemas. Nessa fase difícil, conheceu Vário e Virgílio, os quais levaram-no à presença de Caio Mecenas. Sob a proteção desse benfeitor das artes, Horácio reorganizou a sua vida. A partir daí, iniciou a sua obra, que compreende o gênero lírico, o satírico e o epistolar. É considerado um dos grandes poetas da Roma Antiga. A sua obra inclui os seguintes livros: Epodos (iambi) ̶ são 17 pequenos poemas escritos entre 41 e 31 a.C. Inspirados em Arquíloco de Paro, tratam da crítica social e política; Sátiras (Saturᴂ ou Sermones) ̶ são dois livros, o primeiro, publicado cerca de 35 a.C., contém 10 poemas, enquanto o segundo, com 8 poemas, veio a público em cerca de 30 a. C.. Com temas variados (gastronomia, literatura, tipos sociais), têm Lucílio como modelo de satirista. Horácio imprimiu nesses poemas traços autobiográficos, ideias morais e filosóficas, com influências de Epicuro. Segundo o modo como a tratou, a sátira horaciana é bem mais humorada; Odes ̶ com 4 livros e 103 poemas, são o ponto alto de sua poesia. Foram escritas em diversas metros gregos. Desde a Antiguidade, são consideradas a realização máxima do lirismo, seja pelo bom gosto das composições, seja pela graça e beleza; Carmen Sᴂculare ̶ hino à maneira sáfica, dedicado a Apolo e Diana. Foi escrito sob encomenda do imperador Augusto e cantado nos Jogos Seculares de 17 a.C.; Epístolas ̶ representam dois livros. O primeiro tem 19 cartas e foi publicado em 20 a.C. Essas cartas expressam uma visão epicurista da vida. Já o segundo livro contém duas cartas, sendo uma delas (Epístola aos Pisões, nome de uma família romana) a famosa Arte Poética, em que reflete sobre a teoria da poesia. As observações acima foram extraídas do seguinte livro: Horácio. Arte Poética. 4.ed. Introdução, tradução e comentário de R. M. Rosado Fernandes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2012. É desse latinista o trecho que segue: “A obra poética que nos deixou é o reflexo da sua personalidade equilibrada, sem ser demasiado satisfeita, do seu carácter ambicioso, sem que por isso fosse possuído por eterno descontentamento. Combinava um bom gosto muito seu, uma ironia prazenteira e um labor incansável, com os resultados da sua experiência poética, com a leitura da poesia grega e romana e com os conhecimentos teóricos que aprendera na escola de Orbílio, nas escolas de Atenas e nos estudos que fez peia vida fora.”
Tradutor
Paulo Manoel Ramos Pereira, 20 anos, é poeta, tradutor e estudante universitário. Nasceu em Goiânia (GO). Mantém o blog pyqui, que alimenta com traduções e outros motivos nos meandros da poesia. Coorganizou e integra o livro Antologia Clandestina. Publicou diversos fanzines de poemas lançados e poemas publicados em jornais de Goiás. Prepara o seu primeiro livro de poemas.
A beleza do escritor é ver sua obra admirada por nós, pobres mortais, para fortalecimento da nossa alma.