Cartier-Bresson morreu em 3 de agosto de 2004, há exatos 15 anos. Com a sua morte, desapareceu não apenas o gênio da fotografia, mas também o cidadão do mundo que, por ter viajado por tantos países, legou-nos registros de rara beleza que significam o seu apreço à diversidade humana. Não é só o fim do olho mais refinado que essa morte simboliza. Significa também o fim de uma “arte da fotografia”, naquilo que ela tem de singular, documental, surrealista e surpreendente.
Notações de uma disposição aventureira incomum, em viagens prolongadas a trabalho, as suas fotos deixam entrever mais do que expor: a elegância da composição, o esmero da luz e o objeto que se impõe. Para um olhar calibrado, elas nos arrebatam porque condensam um instante poético da inocência, caso estejamos diante da foto com o menino que sorri triunfalmente enquanto carrega duas garrafas de vinho ou, ainda, de outro modo, elas nos enternecem caso vejamos a displicência com que um casal dorme entrelaçado no banco de um trem.
Em seus instantâneos, não é difícil perceber por que a fotografia costuma ser associada à magia e aos sonhos. O homem que é capturado em pleno salto com a sua imagem sendo refletida em uma poça d’água esparramada nos fundos da estação de Saint-Lazare ou, mais distante, o primeiro plano de mulheres japonesas vestidas de negro que choram no funeral de um ator de kabuki. Como poucos, Cartier-Bresson viu – e viu mais que todos, cegos demais que somos para enxergar os mínimos esplendores da vida.
Com tantas imagens de sentido heterogêneo, que descrevem ora o patético ora o grandioso, ora o singelo ora o estranho, eu nunca soube com qual olho (o interno? o externo?) ele clicava as suas fotos, no momento em que o espremia contra o visor da câmera. De acordo com uma autodefinição excêntrica, a sua habilidade continha um “caráter nervoso”. Foi, portanto, esse olho díspar e multifocado, para a nossa felicidade, que capturou as mais belas imagens em preto e branco do século 20.
A sua câmera era uma Leica com objetiva de 50 mm – câmera mítica, é verdade, que o acompanhou durante as suas andanças, a vida inteira –, um médium que transferia um fragmento do mundo real para a sensibilidade química da película. Evidentemente, os dois, homem e máquina, completavam-se, numa simbiose orgânica e estética.
Na aparência efêmera das coisas, essas que têm uma substância irreal e, por isso, escapam da nossa percepção, o olho de Cartier-Bresson fixou mecanicamente flagrantes humanos e paisagens, dando-lhes o alcance de uma celebração ou de um rito. Eis a memória das coisas, das ações e dos gestos que duram tão pouco, as que afinal, e num instante, se desgarram por causa de sua transitoriedade.
Quando fotografou os eventos de Maio de 1968, rejeitou as impressões obtidas ali, naquele evento revoltoso: na sua avaliação, aquelas fotos não estavam à altura da revolução que presenciara.
Parte delas foi publicada dez anos mais tarde na edição de maio da revista francesa Photo, em número comemorativo. Cartier-Bresson abre a edição com 11 fotos coloridas, talvez as mais jornalísticas, e também as mais pujantes, entre tantas outras que a revista estampa.
Na entrevista concedida a propósito de sua participação nessa edição, rememorando as turbulências que as suas imagens guardaram para a posteridade, disse que a questão ambiental era o verdadeiro e único prolongamento de Maio de 1968. “É a única continuação do sonho”, reafirmou. “A ecologia e a não violência.”
Muito mais do que um fotógrafo, Cartier-Bresson foi um humanista que indicou, de forma engajada, o nosso futuro. Esse legado – é preciso dizê-lo – só os grandes artistas podem conceder.
Luis sou fotografo e Cartier-Bresson foi minha inspiração, meu mestre. Tenho guardado a Photo de maio de 1978, uma raridade. Parabéns pelo seu texto enxuto mas que retrata a grandiosidade genial de Cartier-Bresson.
Parabéns. Um abraço. Maurício
Agradeço o comentário, Maricio. Muito gentil de sua parte. Sim, esse número da Photo ê uma raridade. Nos temos sorte de tê-lo rsrs
Abraço