No momento em que entrei na cozinha para colocar a garrafa sobre a bancada, tropecei mais uma vez no maldito tapete que estava estendido aos pés da pia. Foi por isso, por causa desse novo susto, que resmunguei, como se estivesse sofrido um ataque traiçoeiro. E, como dois e um são três, não pude deixar de reclamar, falando para mim mesmo:
“De novo, esse tapete desgraçado! Uma hora dessas, ele ainda vai me aleijar!”
Para me ouvir melhor, ela abaixou o volume e perguntou:
“O que você disse mesmo?”
Eu estava com preguiça de esticar aquele assunto trivial, ortopédico e recorrente. Pensei, para reduzir a minha antipatia pelo objeto rasteiro: um tapete é um tapete, é um tapete… como se pode cantar na ciranda da tautologia – um tapete, para mim, só tem interesse no Livro das Mil e Umas Noites porque é mágico, cria o maravilhoso e tem Aladin voando sobre palácios e mesquitas de Bagdá, lá no alto, de onde tudo vê.
Tentando desviar a sua curiosidade, respondi com uma pergunta:
“Por que você não coloca o Miles?”
Acomodada no sofá de dois lugares, quando retornei à sala com outra garrafa, ela zombou do meu despiste:
“Tem gente que pensa que me engana… É claro que você tava falando mal do meu tapete – ou você acha que sou boba?”
Há muito tempo, num sorteio de centro acadêmico, ela ganhou esse tapete numa rifa em favor das vítimas de um terremoto no Irã. Ninguém jamais saberá se essa campanha contribuiu para salvar ao menos um menino. E, se ele foi salvo, quantos anos teria agora?
Pela janela, entrou de repente o som de uma sirene de ambulância. Do mesmo modo, às vezes, uma lufada repentina batia na parede e fugia em seguida pelo corredor. Até a próxima brisa, o calor continuaria impondo a sua onda flamejante, o velho calor da cidade, dessa Goiânia sem identidade que deveria ter sido fundada no Saara.
Antes de abrir a garrafa, sentei-me na poltrona com braços revestidos de algodão cru. Acendi um cigarro, dei uma boa tragada, soprei a fumaça para o alto, na direção do teto branco, e reclamei:
“Que droga essa velha história do tapete!”
A mulher não deixou por menos:
“É você que sempre começa” – retrucou, e com razão, pois o homem que meus pais botaram neste mundo é mal-humorado, ansioso e, às vezes, detestável – o pior homem que uma mulher zen pode encontrar.
Esse assunto sempre foi o ponto de discórdia quando eu ia ouvir música, conversar e beber vinho em seu apartamento. Sem dúvida, havia outros, às vezes agradáveis, às vezes insípidos, mas só o que envolvia o tapete, o meu inimigo mortal, era repisado como um mantra ruim.
O meu problema na convivência estava ali esparramado no chão da cozinha: um tapete sintético e encardido, com ilustrações de lhamas e imagens de um sol peruano sorridente, ilustrações essas distribuídas pelas suas bordas. Por ser ordinário, as suas pontas tinham se levantado como orelhas, prontas para derrubarem o primeiro incauto. Não, aquele objeto odioso não era inocente nem merecia a minha consideração nem, muito menos, a minha complacência. Há muito tempo, eu o tinha tornado um inimigo.
Dessa vez, para encerrar definitivamente o assunto, fui até a cozinha em passos marciais e agarrei o objeto desdenhoso. Abri a porta, desci apressadamente os degraus e ganhei a calçada. Enrolei-o como um canudo, corri até alcançar o caminhão de lixo que passava pelas imediações e atirei-o, sorrindo, dentro da caçamba. Adeus, tapete! Adeus, trambolho de tantas discórdias!
Quando voltei ao apartamento quase assoviando, ela me perguntou, como se já não tivesse adivinhado, o fim que eu tinha dado àquele traste doméstico – um mísero enfeite de piso que conspirava contra a minha integridade.
“O que você fez mesmo com o meu tapete?”
Ainda ouvi o caminhão de lixo acelerar, com o seu motor urrando, levando para longe os dejetos do setor, enquanto me deliciava com o vinho.