Com a colaboração de Rafaela Vendrametto Granzotti e Desirée Ayume Lopes Meireles, doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UFG
As universidades públicas são responsáveis por 95% da produção científica no Brasil. Os agentes que mais contribuem para essa produção, os estudantes de pós-graduação, dependem fortemente de bolsas de mestrado e doutorado concedidas por órgãos e instituições públicas para realizar pesquisa. Essas bolsas são o salário desses pesquisadores, que assinam contrato de dedicação exclusiva com os órgãos fomentadores. Entretanto, a falta de reajuste nas bolsas há mais de 7 anos, o congelamento do orçamento federal em 2017 e cortes nos orçamentos do Conselho Nacional Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2019 representam somente algumas das condições estressantes que os estudantes de pós-graduação tiveram que encarar recentemente.
Em meados de fevereiro de 2020, a Capes anunciou a Portaria 34: um modelo de redistribuição de bolsas entre programas de pós-graduação (PPGs) no país, supondo benefícios como a diminuição da desigualdade entre programas. Entretanto, rapidamente ficou claro que esse modelo na verdade representava uma diminuição do número de bolsas em nível nacional. Por exemplo, a Universidade Federal de Goiás perdeu um total de 150 bolsas de mestrado e 78 de doutorado, uma média de sete bolsas por PPG. Outras universidades, como a Universidade Federal do Paraná e a Universidade Federal de Santa Catarina, anunciaram cortes inconcebíveis de aproximadamente 600 bolsas cada uma. O dano em nível nacional foi uma redução de cerca de 20% e 15% de bolsas de mestrado e doutorado, respectivamente.
O momento para esses cortes foi o pior possível, porque os primeiros casos de Covid-19 haviam sido registrados no país, portanto, medidas de distanciamento e isolamento social foram colocadas em prática poucas semanas antes. Essa situação foi problemática nacionalmente, uma vez que muitos estudantes de pós-graduação teriam acabado de se mudar para diferentes cidades, além da dificuldade em encontrar outros empregos por causa da pandemia. Assim, muitos provavelmente não iriam continuar suas pesquisas por causa da falta de apoio financeiro imediato.
Felizmente, após pressão popular, a Capes admitiu erros nos cálculos do modelo e devolveu um total de 6 mil bolsas em abril. Além disso, Capes e CNPq recentemente permitiram que alunos de pós-graduação requeressem prorrogações das bolsas vigentes por até três meses, o que pode ajudar a mitigar parte dos impactos causados pela pandemia. Apesar do alívio momentâneo, o futuro das bolsas de pós-graduação no Brasil ainda está incerto, uma vez que a Portaria 34 não foi revogada. Enquanto essa portaria continuar vigente, muitos programas ainda sofrerão com cortes de bolsas. No nosso PPG, que é um programa de excelência em nível internacional e de nota máxima na avaliação da Capes, novas seleções para candidatos a doutorado com bolsas Capes provavelmente ocorrerão somente em 2023, ano em que o programa conseguirá oferecer bolsas novamente.
Lamentavelmente, a educação superior não é a única área fundamental para a ciência que está sendo desmantelada pelo governo federal. O cenário atual no Brasil também é desencorajador para cientistas ambientais e da conservação, já que o ministro do Meio Ambiente tem uma agenda antiambiental clara. Sob seu comando, o desmatamento acumulado na Amazônia aumentou 54% nos últimos 10 meses comparativamente ao mesmo período no ano passado. Além disso, a luta descoordenada contra a pandemia de Covid-19 também amplifica desigualdades que afetam cientistas no início de suas carreiras, especialmente aqueles pertencentes a grupos historicamente sub-representados na ciência.
Como futuras doutoras, temos a impressão de que as carreiras as quais nos dedicamos são irrelevantes para os representantes políticos atualmente no cargo, e sem dúvida muitos outros cientistas no início de suas carreiras se sentem da mesma maneira. Nós reivindicamos políticas ambientais que assegurem um futuro sustentável e, nas áreas de educação e ciências, políticas que garantam segurança econômica e social para cientistas em treinamento. Afinal, se queremos que a ciência avance, temos que investir em quem a produz.
Sem sombra de dúvida expressou meu sentimento de indignação, e ainda resumiu de forma clara e sucinta meses de toma lá da cá de bolsas que deixaram a comunidade acadêmica totalmente desnorteada num momento extremamente conturbado.