“Nós dizemos de certas coisas que elas não podem ser perdoadas, ou que nunca vamos nos perdoar. Mas perdoamos – perdoamos o tempo todo.” Com estas palavras, a escritora canadense Alice Munro, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2013, encerra o livro Vida Querida. Munro escreve sobre o perdão falando de si própria, para concluir quatro relatos autobiográficos que ela incluiu na seção final da obra, mas este comentário pode ser estendido aos demais personagens dos contos reunidos no volume, realçando uma ideia que subjaz a todas as histórias: a vida, nossa “querida” vida, é uma aventura e precisamos estar abertos para o que ela nos oferece.
Por isso, Munro enfatiza o ato de perdoar: perdoar os outros não significa conformar-se ou resignar-se e perdoar a si mesmo não é necessariamente ser autocomplacente. Em ambos os casos, o perdão pode representar uma atitude libertadora, que nos permita seguir em frente. Porque nada na vida – a não ser a morte – é irremediável, e o inusitado sempre está à espreita, e pode surpreender-nos a qualquer momento.
As histórias de Munro são recortes do cotidiano, extratos da vida de pessoas comuns. A jovem casada que, durante uma viagem de trem com a filha pequena, se envolve com um ator mambembe. O soldado que, no retorno da guerra, desiste de voltar para casa e deixa a noiva esperando por ele na estação. O casal de idosos cujo relacionamento harmonioso é perturbado quando uma vendedora de cosméticos bate à porta. Traições, abandonos, desejos inconfessados. Pequenos dramas privados, mas que só são banais na aparência. Nas mãos de Alice Munro, sob o seu olhar ao mesmo terno e irônico, essas histórias ganham rumos inesperados, que nos deixam admirados e perplexos.
Em 2013, ao ser anunciada como vencedora do Nobel de Literatura, a escritora canadense, autora de mais de uma dezena livros e até então praticamente desconhecida do grande público brasileiro, foi saudada como uma espécie de versão feminina e contemporânea do escritor russo Anton Tchecov, por sua habilidade e talento em compor narrativas curtas. “Eu gosto de escrever de uma maneira que, eu não sei, talvez assuste um pouco as pessoas”, afirmou Munro, em uma entrevista concedida a uma revista norte-americana, dizendo que, apesar de gostar de poesia, procurava compor uma prosa que não parecesse conscienciosamente “poética”, mas “cortante”, “afiada” (“sharpness”).
Se as histórias de Alice Munro, os retratos que ela extrai do cotidiano, têm esse potencial “assustador”, é porque a própria realidade pode ser comparada a um enredo de suspense, repleto de surpresas e reviravoltas – a vida como ela é.