Em Goiás, os equipamentos estaduais destinados às artes visuais passam da situação de claudicância institucional à de colapso cultural e social. A permanente crise se agrava e, em alguns casos, agora vira desmonte.
Atualmente, vemos equipamentos culturais de suma importância se deteriorarem ou serem ameaçados de desmonte pelas ações predatórias da Secretaria de Estado da Cultura (Secult-GO). São abundantes os exemplos para demonstrar o quanto a atual pasta age equivocadamente.
Seguindo o deturpado raciocínio de submissão da cultura ao turismo, o maior equipamento cultural do Estado foi repassado no ano passado à Agência de Turismo. O Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON) é um elefante branco, entretanto, sedia desde 2006 o Museu de Arte Contemporânea de Goiás (MAC-GO), instituição inaugurada em 1988 e com mais de mil obras em seu acervo. O MAC-GO, desde que foi instalado no CCON, funciona muito precariamente e esporadicamente. Hoje, sem profissionais especializados, seu acervo se encontra ameaçado por riscos de má conservação, por danos causados no manuseio incorreto e por desvios e extravios; os quatro espaços de exposições estão ociosos e vazios; o trabalho educativo é inexistente; as portas estão fechadas ao público. É triste para Goiás ver o seu grandioso museu fechado e cego, sem exercer sua significativa função social. O primeiro dos erros talvez possa ser apontado no fato de que o Museu de Arte Contemporânea foi alienado da divisão de patrimônio e de memória, foi tratado como suvenir e não como riqueza cultural de Goiás.
No final do ano passado, a comunidade artística foi surpreendida com o encerramento abrupto das atividades do Centro Cultural Octo Marques, com o pedido de desmontagem urgente das duas exposições lá exibidas: Conjunto de Afetos: Coleção Divino Sobral, montada na Galeria Nazareno Confaloni e em parte da Galeria Sebastião dos Reis; Tereza, Eu Morri, e Morrer é Bom, da jovem artista Manuela Costa, montada na sala menor da Galeria Sebastião dos Reis. Integrantes do Programa de Exposições Virtuais no Centro Cultural Octo Marques, as duas mostras, assim como outras quatro, foram documentadas em vídeos e estão exibidas na página da Secult-GO no YouTube. Percentualmente, o Programa de Exposições nas galerias tem os maiores índices de visualização dentre todos os produtos postados pela Secult-GO na citada plataforma.
Executado por pouquíssimos profissionais da casa, o Programa de Exposições Virtuais demonstrou a completa viabilidade das galerias ao produzir, montar, documentar em vídeo e apresentar pela internet – como ação de contato com o público afastado devido às implicações da pandemia, e também como ação de resistência diante da eminência de desmonte (caso da exposição de minha própria coleção) – o conjunto de seis exposições, entre individuais e coletivas, no curto período de agosto a dezembro de 2020. Porém, após a desmontagem, nenhuma palavra foi dita sobre a continuidade do programa e sobre a agenda de exposições acordadas para 2021.
O Centro Cultural Octo Marques foi inaugurado também em 1988, junto como o Museu de Arte Contemporânea de Goiás. Em 2006, o espaço que era do museu passou a ser dividido entre duas galerias: Galeria Frei Nazareno Confaloni, criada em 1977 para homenagear a memória de Confaloni (1917-1977); Galeria Sebastião dos Reis, criada em 1994 para homenagear o pintor naif Sebastião dos Reis (1957-1990). Ambas perambularam até encontrarem lugar adequado no Centro Cultural Octo Marques, de onde não devem ser retiradas.
A Escola de Artes Visuais (EAV) da Secult-GO também é um equipamento que funciona (ou funcionou) no Centro Cultural Octo Marques. Foi criada em 1991 e começou suas atividades em 1992. Nasceu do corpo do MAC-GO e depois ganhou autonomia sob a batuta de Aguinaldo Coelho, artista que a concebeu sob influência da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Na EAV está a prensa de gravura que pertenceu à gravadora Dinéia Dutra (1954-1988), doada pela família após a morte trágica da artista, ocorrida também no mesmo ano de inauguração do Centro Cultural Octo Marques. Pela escola passaram muitos estudantes de arte, como, por exemplo, um dos maiores artistas brasileiros da atualidade, o celebrado goiano Dalton Paula.
De uns anos para cá, o corpo de professores da Escola de Artes Visuais foi desidratado, quase secou. Em 2020, restava apenas um profissional operando dentro da instituição, que há um ano está sem direção nomeada por portaria. Apesar das dificuldades, o trabalho de formação de artistas desenvolvido pelo Ateliê Livre – Programa de Residência Artística conseguiu resultados bastante exitosos, mostrados na exposição Tubo de Ensaio, exibida na Galeria Sebastião dos Reis, em Goiânia, e na Galeria Antônio Sibasoly, em Anápolis, nos anos de 2019 e 2020, respectivamente. O vídeo da exposição também está disponível na conta da Secult-GO no YouTube, portanto, a qualidade do trabalho desenvolvido pode ser conferida pelo registro videográfico.
Composta por 14 artistas, a segunda turma do Atelier Livre estava em pleno andamento, apesar das restrições impostas pela pandemia, quando foi interrompida pela ordem vinda da Secult, sem nenhuma explicação ou motivo que justificasse o término das atividades. O professor foi afastado da função, transferido de unidade e a turma foi ignorada. Violência, arrogância e desrespeito andam juntas neste exemplo de desmonte.
Equipamento cultural mais democrático e acessível da Região Metropolitana de Goiânia, pois qualquer estudante de arte, jovem artista, ou pessoa interessada em artes visuais pode chegar lá com apenas uma passagem de ônibus, o Centro Cultural leva o nome do pintor Octo Marques (1915-1988), pioneiro dos pioneiros da arte goiana, e agrega em suas paredes importantes camadas da memória da História da Arte em Goiás. É um aparelho que pertence historicamente às artes visuais e que agora corre o risco de ter sua memória apagada, uma vez que deve ser desvirtuado de sua função para ser transformado na Gerência de Inovação e Empreendedorismo Cultural.
Saliento que uma gerência de natureza burocrática não requer um espaço como aquele, especialmente preparado para receber as manifestações das artes visuais e por onde já passaram importantes exposições de Siron Franco e Ferreira Gullar, Ana Maria Pacheco, Antônio Poteiro, Cleber Gouvêa, Marcelo Solá, Selma Parreira, Irmãos Campana, Caio Reisewitz, Daniel Acosta, Marco Paulo Rolla, entre muitos outros nomes de relevância da arte em Goiás e no Brasil.
O que acontece aqui e agora é o ataque à arte e a afirmação do obscurantismo, danoso a toda sociedade.