[Por Luís Araujo Pereira e Rosângela Chaves]
Escrito em dupla por Jamesson Buarque e Thaise Monteiro, o livro de poemas À Moda de 22 chega aos leitores com o selo da Editora Patuá. Vencedora, em 2018, do último prêmio promovido pelo extinto Ministério da Cultura, voltado para publicações literárias que, de alguma forma, dialogam com a Semana de Arte Moderna de 1922, cujo centenário será celebrado no próximo ano, a obra da dupla não só presta uma homenagem ao modernismo, mas também se revela tributária do próprio fazer poético dos artistas de 22. Professor do curso de Letras da UFG, Jamesson Buarque é um autor premiado com uma já extensa obra poética, pesquisador sobre criação e ensino de poesia e ainda coordenador do Grupo Corpo de Voz, de performance vocal de poesia. Thaise Monteiro, por sua vez, é uma dos nomes de destaque da nova geração de poetas de Goiás, além de ser também pesquisadora no campo dos estudos poéticos e atriz. Na entrevista a seguir concedida a ERMIRA, por e-mail, os dois contam, de forma irreverente e alternando as vozes nas respostas, sobre como o projeto de escrever o livro surgiu e como foi o processo da escrita a quatro mãos. Confira.
O livro é uma homenagem ao Movimento de 22 e uma expressão de seus múltiplos sentidos. Como esse projeto teve início?
Havia um edital, o no 02 SEC/MINC, de 1º de outubro de 2018, logo, antes, é claro, da extinção do Ministério da Cultura. Era um edital de seleção pública denominado Prêmio de Incentivo à Publicação Literária, 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922. O período de inscrição era do dia de publicação do edital, 1º de outubro de 2018, uma segunda-feira, até o dia 15 de novembro daquele ano, uma quinta-feira. Onze dias antes, contando todos os dias, não o intervalo, foi no dia 5 de novembro, uma segunda-feira, quando saímos da Livraria Palavrear depois de uma apresentação do Corpo de Voz – grupo de performance vocal de poesia que Jamesson dirige com a poeta, atriz, cantora e jornalista Maria Ritha Paixão, do qual faço parte com minha companhia Poesia Que Gira – sobre canções/poemas de Bob Dylan, a convite de Céline Clement, se é que foi no dia dessa apresentação – mas, sim, foram 11 dias antes do prazo das inscrições –, fomos ao Bar do Tchê, na Rua 220, do Setor Leste Universitário, e uma vez lá – sim, não temos dúvida de que foi lá –, em dado momento falamos do edital. Falando do edital, Thaise já foi me chamando para escrever algo a quatro mãos. Jamesson disse que tinha visto o edital, que leu por cima e concluiu que não havia como participar, porque não sabe ler direito, o cara trabalha com burocracia na UFG, e não presta atenção em coisas burocráticas fora da UFG. Thaise me fez observar que poderíamos concorrer com um livro de poemas, e não sei por que entendi que era algo como um ensaio, assim como me fez observar que poderia ser um livro a quatro mãos. Jamesson topou, parecendo não pensar meia vez. Decerto pela embriaguez, decidimos participar. Importante repetir: estávamos a 11 dias do final do prazo de inscrições e não tínhamos uma linha, um A, um B, nada escrito que atendesse ao edital. No bar, bebendo, é claro, Thaise discriminou um plano de escrita, que nem me lembro qual era. Jamesson disse que seguiria o plano, desde que eu descrevesse tudo em mais detalhes. Concluímos que tínhamos de começar, como se diz, a escrever ontem. Já em casa, elaborei o plano, fiz uma estruturação, distribuí motivos e algo como partes, embora o livro não tenha partes, a seguir no processo de escrita. Quando Thaise concluiu o plano, logo me enviou, e em casa, comecei a escrever, assim como ela também. Esse foi o início. Tínhamos pouquíssimo tempo e nos garantimos cumpri-lo. Cumprimos. Em geral, pelo menos para nós, o princípio que estabelecemos não pareceu difícil, e como cumprimos, provavelmente não foi mesmo: escreveríamos um conjunto de poemas que atendesse ao edital, incluindo nisso cumprir a quantidade mínima de páginas – deveriam ser, sabe-se lá cargas d’água por quê, 49 páginas, excluídas a capa e a folha de rosto, caso houve, todos os poemas versariam sobre e em torno da Semana de 22, com o em torno considerando os movimentos estéticos anteriores e toda a estética posterior ao Modernismo, e além de versar sobre isso, decidimos que os poemas dialogariam com poemas e outras obras de arte modernistas. Para tanto, o que tínhamos de fazer era aplicar nosso conhecimento sobre o Modernismo, fazendo visitas a fontes quando fosse necessário, mas não muita, pesquisa demais não daria certo, afinal, tínhamos 11 dias para escrever poemas em uma quantidade que ocupasse no mínimo 49 páginas. Assim foi o início e, se escolas e universidades quiserem tratar do Modernismo a partir de À Moda de 22, não temos dúvida que também dará certo.
O que representou para vocês esse exercício poético e intelectual de escrita a quatro mãos?
R. De início, temos intimidade pela amizade que se formou a partir da universidade. Fui professor de Thaise em 2005, de Latim. A partir disso, Jamesson e eu fomos nos aproximando pela poesia, mais notadamente pelo Corpo de Voz. Thaise, ainda muito jovem, embora ainda seja jovem, mesmo que não tanto, é claro, quanto antes, apresentava alguns de seus escritos para mim. Jamesson era cruel, falava mal, dizia “Isso é uma desgraça” e coisa pior. Mas Thaise insistia, e a insistência sempre foi muito denodada, e em minha observação, ela sempre dava passos largos, ficava evidente para mim que, a cada observação que eu fazia, ela se dedicava ao exercício da escrita poética com frequência. Jamesson chama de observação, mas era esculacho mesmo, mas tudo bem, fomos nos entendendo. Nisso fomos, e a amizade, tanto artística quanto intelectual, se formou. Depois, a amizade foi para além de ser artística e intelectual. Jamesson esteve como arguidor em minha defesa de bacharelado, de mestrado e de doutorado, incluindo neste e naquele caso ter sido arguidor do exame de qualificação. Observamos que o processo foi possível graças à amizade que foi se formando ano após ano. Devemos ter lido basicamente tudo uma do outro e um da outra. Embora tivéssemos que recorrer a nosso conhecimento do Modernismo, fazer às vezes alguma pesquisa, dado o tempo de escrita, assim como tivéssemos de lidar com assuntos técnicos da escrita, sem a amizade que já estava muito bem formada para sempre, a escrita de À Moda de 22 não seria possível. Logo, tudo representou para nós, sobretudo, o reconhecimento para lá de reconhecido de uma amizade muitíssimo bem constituída. Aprendi com Thaise. Aprendi com Jamesson. Fomos nos aprendendo. Nossa vida já havia se tornado uma vida doméstica, comezinha, muito pessoal. Somos pessoas que se visitam em casa e que, devido ao contexto pandêmico, muito sofremos com o distanciamento. Meus aniversários e outros momentos importantes passaram a ter Jamesson. Muito em minha vida passou a ter Thaise. E para reforçar tudo, temos amizades em comum. Uma delas, imprescindível para a escrita de À Moda de 22, foi Yani Rebouças, que cedeu o espaço de seu apartamento, com suas filhas presentes, Clarice e Lígia, acompanhando a escrita in duo do livro, intervindo, comentando, dando pitacos, tudo que ouvíamos sempre, jamais deixamos de ouvir Yani. Além de Yani, Ivan Nogueira – é meu companheiro – e Iolanda Monteiro – é minha filha –, que em todos os momentos estavam presentes, em todos mesmo. Ivan é meu compadre de coração. Iolanda é como uma filha. Então o processo representou a amizade, que por termo inclui o amor, e também podemos dizer que representou a expressão vivaz de uma vida familiar, de uma família escolhida, coisa também do amor. Além disso, antes que o trabalho remoto chegasse ao ponto em que chegou, recorremos a ele, com constante recurso ao WhatsApp e ao e-mail.
Pelo mapeamento afetivo e episódico de 1922, é possível vislumbrar quais são os legados desse movimento para a atual geração de poetas que hoje enfrentam o ato de escrever no Brasil?
Consideramos que a cada período estético, das artes em geral, passado o tempo, para bem ou para mal, para mais ou para menos, para a indiferença ou para alguma incidência, com o que se chama de influências ou não no jogo, para muito do que é relacional, interativo, tudo é acúmulo, conhecimento, educação sentimental para a atualidade, no caso, para a geração de poetas de hoje. A lida com o acúmulo, a consciência sobre ele, varia muito, é verdade. No caso do Modernismo, muita gente, muita mesmo, que vem escrevendo e que se inicia na escrita de poema na atualidade mal toma ciência do Modernismo, mal tem em mente seu legado, mal considera sua pertinência, assim como mal observa suas contradições, bem como mal observa toda a mítica constituída por parte da crítica literária em torno do Modernismo, sobretudo da Semana de Arte Moderna de 22. Um caso é observar as variações de linguagens, que, pelo menos em parte, poetas modernistas constituíram pelo que Mário de Andrade chamava de pesquisa estética, como a pesquisa folclórica, a pesquisa do sertanismo, e muita vezes, senão sempre, modernistas, porque eram poetas da urbanidade, fizeram isso abduzindo e emulando linguagens e formas de diversas expressões poéticas dos rincões do país, bem como de centros urbanos distantes de São Paulo, que foi se formando entre as décadas de 1910 e 1960 no centro cultural-político-econômico do país. Nisso, houve também correspondências com poetas, ficcionistas e mais artistas do país afora por parte de agentes do Modernismo. Linguagens “descoladas”, “alternativas”, “excêntricas” e “ex-cêntricas”, além de outras que podemos observar na prática poética atual, tornaram-se recursivas sui generis, quer dizer, repetidas, mas cada qual a sua maneira, porque houve tudo em torno da Semana de 22. O Modernismo não inventou isso, mas podemos dizer que sistematizou, pesquisou, até caçou, utilizou, e utilizando, divulgou, propagou até o ponto que o próprio Modernismo se tornasse, como se tornou, invisível em relação a tudo isso. No entanto, embora invisível nesse caso, em boa parte, seja para bem ou para mal, afinal, houve abdução e emulação, é um legado dele. A possibilidade e a autenticidade de escrever poemas como se quer, expressar-se conforme se deseja, ignorar ou ser indiferente a regras e a procedimentos técnicos de produção poética, conhecendo-se ou não regras e procedimentos técnicos, decorrem da prática modernista, de obras modernistas, e sobretudo, da política modernista de agitar e propagar na cultura brasileira os valores estéticos que defendia. Em parte, a edição independente de livros de poesia da atualidade tem relação com uma prática editorial de poetas e ficcionistas do Modernismo, e isso dá em outro caso – claro que, nada disso, exclui o controle de grandes editoras e redes de venda de livros decorrente do mercado editorial e do comércio livreiro conforme a lógica financista atual do capitalismo. Mais um caso: a recorrente prática do verso livre decorre do Modernismo, embora o verso livre seja mais antigo. A livre versificação é hoje uma tradição poética. Não há nada de revolucionário em escrever em versos livres, inclusive, a maioria de pessoas que na atualidade começam a produzir poemas desconhece ou mal conhece as variedades regulares e heterorregulares de versificação, como os casos de métrica igual, a isometria, e de métrica por variação restrita, a heterometria. Sequer há educação para que se ouça, quer dizer, para que ouvindo um poema enquanto é vocalizado, que há, não há, pode haver, ou coisa do tipo, alguma ou algumas métricas. A bem da verdade, o fim do Modernismo se deu quanto tudo que fez de revolucionário ou que parecia revolucionário se tornou praxe, e se tornando praxe, já não era revolução. Que aspectos da literatura de hoje tenham muito de expressão identitarista, que tenham muito de expressar um lugar do eu que se desfaz mas se expressa em um lugar de gueto ou de nicho enquanto se esgarça e, ao esgarçar-se, reconstitui-se, sejam muitíssimo atuais é fato, mas que devem historicamente ao primado de recorrer a localismos, a regionalismos, a folclorismos e o mais de semelhante do Modernismo, devem, embora muito disso do Modernismo tenha sido possível, como dissemos, por abdução e emulação, que, de resto, não se deu como um mal, afinal, embora modernistas em geral se ocupassem de agitar e propagar certos princípios estéticos, éticos e políticos de entender e de lidar com o mundo segundo seus interesses – e esses interesses estavam sob uma estratégia eficaz, pois bem se sabe que vários nomes do Modernismo se tornaram referências em intervalo curto de tempo, entre duas e quatro décadas –, de todo modo criaram a possibilidade de audiência de outras vozes, coisa que a atualidade herdou e, por sua vez, transformou também em um programa estético-ético-político. Enfim, há muito mais a dizer-se a respeito, mas é observável algo que uma generalizada inconsciência, ou uma consciência parcial ou uma consciência restrita do Modernismo quanto a praticantes, notadamente mais jovens, da poesia atual, como se o Modernismo não passasse de uma escola literária para ser observada conforme certas características, as quais, embora superadas, não têm mais efeito, quando têm muito, bastante efeitos. Um tratamento do Modernismo mais amplo hoje, sobretudo que chegue a poetas que, mediante a pergunta que vocês nos fizeram, “enfrentam o ato de escrever no Brasil” na atualidade, considerando os debates e as comemorações a acontecerem sobre tal período e sobre a Semana de 22, que nosso livro antecipa, pode levar a um vislumbre algo que é devido ao legado modernista, e isso sem apologias idealizadas, sem defesas exarcebadas, até sem apologia e sem defesa nenhumas, mas também não somente por críticas nem por oposições. E dizemos isso por haver o risco de negaciar a pertinência do Modernismo para a atualidade, quando, conforme é o caso atual, o humor e o deboche de viés sardônico, muito bem praticados na forma do pastiche e do chiste por poetas modernistas, fazem-se necessários para escrachar o fascismo vigente, para atuar como um conjunto de vozes de luta e resistência contra as injustiças sociais e os golpismos contra a nação que vêm se formando dia a dia, com o desprezo à vida, sobretudo à vida da gente mias pobre, dando em quase 4 mil mortes por dia que devem ser mais, por subnotificação, podem se tornar mais, e das mais de 312 mil mortes atuais, é possível chegar até mais de meio milhão, afinal, sobre isso, diferentemente de nós e de poetas hoje até inconscientes do legado modernista de modificar a nação para uma sensibilidade com base na diversidade, quem move essa política detesta poesia.
Escrito em dupla, o livro implica questões de autoria. De que modo cada um se inscreveu no poema do outro e tratou o tema escolhido?
Dado parte do que respondemos na primeira questão, quanto a termos acertado que alguém faria um plano, uma organização, uma estruturação para o livro, Thaise fez, e dado, conforme a resposta, que seguiríamos isso – eu segui, e Thaise, que fez o plano, claro, também o seguiu –, de imediato a autoria é única, embora o livro seja obra de duas pessoas. O processamento disso não é complexo, pelo menos não a rigor, embora só funcione se houver intimidade, e para haver intimidade, é preciso haver amizade, e para haver amizade, é preciso que haja respeito, escuta, e dizemos escuta no sentido de que uma pessoa ouça a outra e vice-versa sem que nada que seja dito seja ignorado, de modo que tudo reste por obra de consenso. Isso, para muita gente, pode implicar um resultado da argumentação que vence argumentação, afinal, não é possível garantir resultado de votação entre duas pessoas – o mais evidente é um empate, ou seja, continuar na mesma. Contudo, não disputamos argumentação, não disputamos narrativa, não debatemos entre nós, não no sentido de enfrentamento de discursos. Eu dizia, Jamesson ouvia, e concluíamos, sem enfrentamento nenhum, se aquilo era viável. Idem de minha parte quanto a eu dizer e Thaise ouvir. Assim, o plano, organização, estrutura, pode ser comum, como pode ser da parte de alguém de um duo que queira escrever a quatro mãos sem acordo tácito, por acordo apenas protocolar, ou pode ser, como foi, da parte de alguém mediante o aceite de outrem, atendendo a um diálogo em que nenhuma voz seja silenciada. Nisso, muito pode acontecer, como aconteceu. Vamos citar alguns casos. O comum é: cada qual escreve um poema mediante o plano. No andamento disso, escreve-se, e escrevemos, poemas fora do plano. Consideramos se poemas fora do plano deveriam integrar o livro ou não, bem como se poemas do plano deveriam integrá-lo ou não. Como se dá? O esperado acontece: a mais nova na arte a produzir poesia (Thaise) ouve o mais velho de tal arte (Jamesson), mas o mais velho precisa ser audiente ao que a mais nova diz. Isso se deu. A consequência disso é a intervenção, quer dizer, cada qual intercede no poema que a outra e o outro escreveu. Intercede e aceita? Sim. Funciona? Com empatia, capacidade de audiência, senso de alteridade e sensibilidade à experiência vicária, sim, funciona. Funcionou, inclusive. Que se faz nisso? Uma atitude básica é consensualizar empregos de certos elementos da linguagem verbal, quer dizer, se alguém emprega a preposição para e outrem emprega a preposição pra, restando em um exemplo simples, decide-se pelo algum dos empregos, e se faz isso sem discussão, pois a audiência pela intimidade resolve tudo rapidamente. Isso se imiscui a outros empregos, como empregar duma em vez de empregar de uma, aplicar a pontuação gráfica a rigor ou torná-la expletiva quando parecer óbvia, consensualizar uns tantos empregos de staccati (plural de staccato, quanto aos cortes de um verso, quando de um verso somente se escreve outro se o anterior tem uma unidade de sentido em si), e assim de enjambement e de cortes in abruto (findando um verso em uma preposição, em uma conjunção ou em um artigo) e mais coisas do tipo e outras. Acontece que nesse processo tudo resta, como restou, em ser muito consensual sem discussão sequer perto de acirrada. No andamento do processo, depois de tudo isso, começa a acontecer já não mais o cada qual escreve um poema nem o cada qual vai intercedendo no poema alheio. Os alinhamentos de recursos a elementos da linguagem e estéticos vão se tornando imbricados, e nisso, passa-se, como passamos, à escrita em conjunto de poemas – alguém escreve algo, outrem continua, alguém intervém, outrem interfere, e assim continuamente até que a dupla dê algo por terminado. Voltamos a insistir que, muito provavelmente, isso não funcione sem amizade, sem intimidade, sem respeito, sem escuta mútua. Enquanto isso? Bem, enquanto isso é bom ter alguém com amizade, intimidade, respeito e escuta comum à dupla, e nós tínhamos Yani Rebouças, e tínhamos Yani com todo seu conhecimento sobre o Modernismo, sobre poesia, até porque é poeta notável, tão logo com seu livro Pretérita e imperfeita disponível para o público leitor, e tínhamos mais, tínhamos Ivan e Iolanda, pessoas sensíveis à poesia, mas que não são poetas nem estudam poesia. Em tudo, a nosso ver, não há problema de autoria. Tudo no livro restou a quatro mãos, inclusive, poderia ter restado a quatro mãos se não atingíssemos o estágio da escrita in duo, a mais difícil, mas atingimos. À Moda de 22 tem uma autoria única com duas assinaturas: Thaise Monteiro e Jamesson Buarque. Acontece quando duas pessoas transam sem precisar de sexo, quando duas pessoas se grudam sem precisar de gosma, quando duas pessoas se entendem entendendo que as mentes são integradas. Mas isso não seria possível de nossa parte com alguém que seja bolsonarista, fascista, terraplanista, que exija intervenção militar sobre o país, que tenha consigo que se tornará jacaré depois de vacinada, que deplore a ciência, que julgue seus cultos, crenças e mistérios como tudo de plausível que resta, que defenda a propriedade privada mediante a exploração alheia, restando na lógica que deveria inexistir sobre distribuição de renda, que criminalize os movimentos sociais, que seja xenófoba, racista, misógina, lgbtfóbica, pobricida, genocida e mais drogas do tipo. No mais, houve gente a mais no processo: antes de o livro como manuscrito chegar à Editora Patuá, o processo do Minc incluía pontuação mais favorável para livros com editora que fizesse a chancela, e Miguel Jubé, pela martelo casa editorial, apesar de não ter publicado o livro, fez a chancela, assim como antes passamos por Helissa Oliveira, que, fazendo a revisão, e estando em nosso mesmo âmbito de amizade, pôde interferir, sabendo de nossa escuta, sendo, portanto, não apenas uma revisora técnica, mas uma revisora que nos conhece, que tem amizade conosco, que sabe como escrevemos, alguém que amamos e que nos ama, que nos vive enquanto a vivemos, alguém como nós, a exemplo de Yani, Ivan e Iolanda. Esse processo é tal que, quando Eduardo Lacerda, da Editora Patuá, decidiu que publicaria o livro, como publicou, Leandro Teixeira, também pela amizade, que esperamos que a relevância disso esteja para lá de compreendida, cedeu a imagem da capa, à qual calhou muito bem ao livro. O caso é repensar a autoria de um livro como se tem dada por resolvida a autoria de um filme: muita gente torna tudo possível, e se tirar uma, tudo desmorona.
Na nota explicativa ao final do livro, vocês confessam que, ao fim do processo de escrita, haviam estabelecido entre si uma relação de irmãos. Essa irmandade artística pode resultar em outros projetos literários ou críticos?
Já restou. Não vamos revelar. E restou em pleno contexto pandêmico, afinal, como dissemos na segunda questão, já tínhamos aprendido a trabalhar in duo à distância, apesar de a distância hoje ser forçada – embora que, forçada, seja muito devida para o bem-estar de todo mundo –, e antes fosse de modo de vida, cada qual em seu lugar, porque não vivemos sob o mesmo teto, e nem tudo, principalmente devido aos 11 dias, poderia ser revolvido cara a cara, pessoalmente – mas o tempo urgia mediante a ideia da louca (Thaise) em fazermos um livro em 11, que na verdade eram dez dias, incluindo que o maluco (Jamesson) topou. Do mais, da continuidade in duo, aguardem os próximos capítulos da novela do bar Thaise&Jamesson, afinal, tudo teve bar no início, bem como no andamento, mas no andamento já não em um bar propriamente dito, pois fizemos bar em nossas residências, sobretudo, no apartamento de Yani. Se fôssemos medir os 39 poemas de À Moda de 22 por nível de embriaguez, perderíamos a medida, embora, nenhum poema tenha passado a limpo sem o crivo da sobriedade, pois retomávamos todos posteriormente, apesar do escasso tempo da louca ideia (Thaise e suas maluquices com Jamesson topando sem pensar meia vez) de escrever um livro a quatro mãos em 11 dias, que a bem da verdade foi escrevê-lo, como dissemos, em dez dias, afinal, o 11º era o dia dia final das inscrições – quando até faltou impressora para imprimir documentos, e foi um deus-nos-acuda, mesmo com Deus não existindo –, embora o edital tivesse um intervalo de inscrições dado em um mês e meio, mas, enfim, decidimos tudo quando o tempo do edital quase estava gritando “O tempo vai acabar, bando de gente bêbada sem senso”. Como tudo deu supercerto, e até sabíamos que daria, tanto que fizemos, já tínhamos em mente que em algum momento retornaríamos ao duo. Retornamos. Aguardem, que vem aí. E não, não vamos dizer o que é. E pode ser que retornemos mais vezes. Vai saber. Não temos nenhuma decisão sobre não retornar, dado, como dissemos, que já retornamos, assim, não temos nenhuma decisão sobre continuar retornando ao duo, e sobretudo, sabemos que jamais nos fecharemos a não retornar. Somos irmã e irmão porque decidimos ser. Em conversa ligeira comigo, Luís Araujo, fazendo algo que uma piada que Thaise e eu decidimos adotar, disse: “No Goiás, as duplas funcionam”. Brinquei sobre isso com Tarsilla Couto, que evidentemente adorou o conceito. Assim, graças a Luís Araujo, Thaise&Jamesson agora são uma dupla sertaneja. Falta só o sucesso. Aceitamos convites para aniversários, quermesses, réveillon, casamentos e tudo o mais, se pá – ou como na França alguém individualmente diz “Je sais pas”, pois nos tornamos uma autoria só em À Moda de 22, algo que um eu de duas pessoas –, gravaremos um disco, seremos Thaise&Jamesson (Thaise&Thaiso, Jamissa&Jamesson, Monteira&Montaria, Brucaca&Buarque, ou se sabe lá o quê), mas sem aquela lombra romanticoide de Jane e Herondy dos anos 1970 que se espraiou até meados dos anos 1980, nada faremos como uma canção do tipo “Não se vá”. De todo modo, sim, temos um livro pronto e acabado depois de À Moda de 22, mas vamos deixá-lo para outra prosa, e a possibilidade de que mais virão depende de mais lombra, contudo, para isso, conforme À Moda de 22 e o novo livro pronto e acabado, ninguém vá ter dúvida de que jamais nos falta lombra para decidir escrever a quatro mãos novamente, até porque, da amizade que se constituiu e da escrita in duo realizada, para nós, tudo entre nós, como tramitar uma no outro e outro na uma, está para lá de resolvido.
Livro: À Moda de 22
Autores: Jamesson Buarque e Thaise Monteiro
Editora: Patuá
Lançamento: 4 de abril, domingo, às 19h30 no Google Meets (https://meet.google.com/rki-ercd-gzk).