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Foto: Rosângela Chaves
Foto: Rosângela Chaves
Foto: Rosângela Chaves

Roberto Mello em Veredas Psicanalista e jornalista | Publicado em 9 de setembro de 2016

Roberto Mello
Psicanalista e jornalista
09/09/2016 em Veredas

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O talento raro de Eloí Calage

“O que me agrada nos contos de Eloí Calage é a vivacidade do estilo e a atualidade dos assuntos.” Foi assim que o poeta Mario Quintana se manifestou a respeito do livro Bernardo, Raquel e Sarah (com participação especial de Marilda), primeiro lugar no 11º concurso nacional de contos do Paraná em 1989. O crítico literário Wilson Martins escreveu na sua coluna publicada no Jornal do Brasil que o estilo de Eloí tinha “uma costela Guimarães Rosa”.

O livro, hoje esquecido, foi recebido com festa na estreia. “Adorei Jorge Boy”, disse o novelista Gilberto Braga, ao mencionar um dos seis contos da coletânea, intitulado Enrola Outro, Jorge Boy. Braga e Eloí foram colegas na TV Globo, onde a escritora se notabilizou pelo sucesso da série Caso Verdade, na década de 1980, quando, pela primeira vez na telinha brasileira, os negros passaram a ter nome e família, como lembrou o crítico Artur da Távola.

Perfil

Nascida em Alegrete, no Rio Grande do Sul, Eloí Calage é jornalista e escritora. Entre outros veículos de comunicação, trabalhou na Rede Globo, onde produziu roteiros para a série Caso Verdade. Grande amiga do poeta Mario Quintana (1906-1994), de quem era conterrânea e a quem conheceu quando ainda cursava Jornalismo e atuava como estagiária no jornal Correio do Povo,  Eloí organizou a exposição A Cor do Invisível – Vida e Poesia de Mario Quintana, que ficou em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1997. Em 1988, Eloí se mudou para Goiânia. Além do livro de contos Bernardo, Raquel e Sarah, ela publicou também, em homenagem a Goiânia, o livro infantojuvenil Goiânia – Um Mais Um Três Amigos, ambos com ilustrações de Siron Franco. Há cerca de oito anos, quando se dedicava a escrever a biografia de Mario Quintana, a escritora sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e desde então vive em uma chácara da família nos arredores da capital.

“O conto Enrola Outro, Jorge Boy é a melhor obra de ficção escrita sobre um tempo de nossas vidas, no Brasil e no exterior”, testemunhou o jornalista Washington Novaes. Com ilustrações de Rosana Rattis e capa de Siron Franco, Bernardo, Raquel e Sarah ainda teve a graça de ser apresentado por José J. Veiga, o célebre autor de Os Cavalinhos de Platiplanto, marco do realismo fantástico em língua portuguesa.

“São seis histórias bem armadas e bem contadas”, disse Veiga, “sem aqueles contorcionismos de pretensa modernidade que andam por aí e que não conseguem capturar o interesse do leitor, condição indispensável à existência de um texto ficcional.”

José J. Veiga chega ao entusiasmo, quando se refere ao terceiro conto Uma Tarde, Um Senhor, Uma Senhora: “De aplaudir com entusiasmo é também a história, essa muito curta, da mulher que encontra o ‘monsenhor’ ao sair de um mercado carregada de sacolas. Encontro rápido, suave, que é para ela um lampejo de entendimento do mundo.”

Para os leitores de ERMIRA, uma amostra do talento de Eloí na transcrição de dois contos curtos da coletânea, ambos tendo como cenário o Rio de Janeiro.

 

Uma tarde, um senhor, uma senhora

Não precisava dum espelho para saber o quanto estava dura e amarga a linha de sua boca. Suava, o sol bramia, mas seguia teimosamente ereta, os braços esticados ao peso das sacolas de supermercado. Antes não tivesse comprado tanta lataria, pesava. Mas ela estava com a decisão de um herói que atravessasse o deserto, passo constante, a água bebida aos poucos, já morna, o cantil quente.

Era uma decisão militar esta de enfrentar aquele dia até o fim, cumprir todas as tarefas. Se chorasse, se parasse para descansar, se puxasse a ponta do fio, tudo se desfiaria. Mas dependia das palavras, e se perguntou: militar ou militante? Sentiu no tornozelo o anúncio de uma crise de coluna vertebral. Era militar mesmo, e o sol bramia.
Um desespero seco lhe subiu à boca quando a alça de uma das sacolas começou a rasgar. Parou, segurou a sacola de alça rasgada com o braço dobrado, como quem segura uma criança, pegou de novo a outra sacola que largara na calçada, e continuou.

O desespero aliviou-se em irritação quando percebeu o homem maduro, de calças quadriculadas e sapatos vulgares, que a olhava atravessando já a rua. Só faltava aquele tipo cretino, meio gordo, engraçar-se com ela naquele dia em que a empregada faltara, prazo de entrega de trabalho terminando, crianças precisando ir para a escola, o cachorro com uma diarreia horrível, aquele calor, e ainda compras de supermercado.

– Posso ajudar?

Entregou ao homem vulgar as duas bolsas de compras, e o seu rosto era um desprezo:

– Carregue.

– Esta deve ser a sua cruz, melhor você mesma carregar.

Toda feita de ódio, insultou-o com poucas palavras. Mas ele sorriu, e segurou-a pelo braço.

– Eu moro ali, por que não tomamos chá juntos?

Aceitou, pelo insólito. Mas foi bem previsível como se comportou sentada na poltrona gasta. Contou-lhe todas as suas desgraças, ainda mais que ele era bondoso, e escutava como se estivesse distraído, sem constranger. O chá era barato, as xícaras também, um certo gosto de alumínio do bule já dava para se sentir, mas ele colocara cravos-da-índia no chá para melhorar o sabor. Havia um prazer.

Quando ele tirou os sapatos, ela observou que as meias eram a única coisa de bom gosto que ele vestia, e sentiu-se ridícula, bom gosto. Telefonou para os filhos, podiam ver televisão, naquele dia não iriam à escola, para muita fome tomassem leite, que ainda havia do café da manhã, gelado mesmo, para não mexer no fogão, ela não sabia o quanto ia demorar. Mas isto foi depois que chorou muito e, covarde, deu a entender que, de vez em quando, pensava em suicídio. Ele lhe respondeu que gostava de um pouquinho de açúcar no chá.

Como foi que Deus se introduziu na conversa? Tinha todo o gosto de uma cilada, ora ele ser Monsenhor! Tentava lembrar o que era um Monsenhor, mas tinha certeza que nunca soubera. Não deve ter nada com pároco e deve ser abaixo de Bispo, pensava. Ela já tinha ouvido falar que ele era um pouco mal-humorado, assim comentavam na vizinhança. Engraçado não tê-lo encontrado antes e nem saber que morava ali. Não, não ia lhe perguntar o que era um Monsenhor, ainda mais que já lhe falara da educação católica. Embora hoje em dia… Olhou desafiante.

Ah, se ele quisesse resgatá-la para o rebanho! Seria tão bom ficar resistindo à palavra de Deus, enquanto o prazo do trabalho estourava de vez e ela tomava chá em companhia. Sorriu.

Ele sentiu a ameaça de ficar de novo sozinho naquela tarde de cigarras, puxou assunto. Nós padres… Nomeava-se padre sempre que falava de seu ofício, disse que sofria a tragédia da vocação contrariada. Ela se animou: era o primeiro que admitia. Não, não era ainda o primeiro, disse ele. Sempre sonhara ser padre. Servir a Deus. E aos mistérios, que eram a sua ambição. Mas, não. Não era disso que vivia, raros os que têm tempo ou interesse pelos mistérios, o que parece fé muitas vezes é caso de psiquiatria ou problema social, os mistérios tornados coisa ridícula, bibelô antigo ao lado de objetos descartáveis. Nem tinha com quem conversar sobre a dúvida, paixão companheira. O verdadeiro religioso não é o que tem fé, mas o que a persegue.

Olharam-se nos olhos e ele pegou a taça vazia que ela lhe entregava. Choraram os dois e não sabiam o que estava acontecendo. Foi natural que ela beijasse o rosto na despedida, como se fossem bíblicos, como se fossem o que eram.
Em casa, comeu sanduíche e frutas com as crianças, chamou um rádio-táxi e foram à praia. Olhou para os filhos, libertos, gazeteiros. O mar parecia mar mesmo, e não praia. Quando chorou, foi aos soluços. À noite, pacificada, rezou uma Ave Maria, depois, tentada, enveredou pela Salve Rainha. Mas o Credo já não sabia de cor. Adormeceu sorrindo, na tentativa de descobrir o que seria um Monsenhor.

….

Mirtinha
Uma garota especial

Mirtinha não é uma garota como as outras, embora no seu todo nem seja especialmente bonita. O que diferencia Mirtinha das outras não é o todo, mas parte, precisamente aquela parte que é um monumento, uma escultura: a bunda de Mirtinha. Ela, Mirtinha, tem só 22 anos, mas certamente foram necessários séculos de trabalho lento e apurado da natureza para produzir o milagre, o fulgor que é a bunda de Mirtinha.

Não gosto de ficar aqui repetindo o nome específico da parte a que me refiro, pode parecer vulgar. Assim, ao aludir à arte escultórica da natureza, estou querendo explicar que, se bem que a bunda de Mirtinha me faça sonhar com uma tarde a sós com ela, em praias, montanhas, vales ou simplesmente (seria a glória!) uma cama d’água, todas estas coisas que um homem sensível sonharia, pois tudo isto, ratifico, tudo isto não me impede de apreciar, com interesse apenas estético, a obra de arte que são as formas, os volumes, as ondulações (principalmente os volteios!) daquela bunda magistral.

Mirtinha é minha colega de escritório, meio bobinha, mas responsável e, mais do que isto, sensível. Sim, porque Mirtinha sabe da admiração que devoto ao seu traseiro. E, ao contrário das garotas de sua idade que, talvez, fizessem troça ou se ofendessem com a minha paixão, a Mirtinha até que passou a me tratar com certa admiração, carinho quase, depois que percebeu os meus sentimentos. Embora, para o meu sossego, continue a me chamar de senhor. Eu devolvo a delicadeza chamando-a respeitosamente de senhorita Mirtinha.

Aconteceu em fevereiro, época em que tia Marta sai para suas merecidas férias em Friburgo. Eu estava só em casa, portanto. Um calor intenso, talvez andasse me alimentando mal, o certo é que adoeci. Ao acordar percebi que não tinha condições de ir trabalhar, comuniquei ao meu chefe, telefonei chamando o médico. O médico veio, a farmácia mandou entregar os remédios em casa, mas o importante só aconteceu depois.

Eram mais ou menos sete e meia quando Mirtinha bateu à minha porta. Cansada com o calor e a trabalheira do escritório, mas muito gentil e meiga, ela me ajudou a voltar para a cama. Fiquei meio sem jeito, estava de pijama, e senti que cheirava um pouco mal apesar do asseio, do qual sou totalmente adepto, mas em consequência da febre e do calor.

Dizendo que estava ali para me dar conforto, como uma boa colega, Mirtinha sentou-se numa cadeira em frente à minha cama. Pensei no quanto eu iria beijar o assento da cadeira depois que ela saísse, comecei a me sentir melhor, a ter fome. Foi então que ela abriu um pequeno pacote que trazia e me disse, sorrindo:

– Eu sei o quanto o senhor adora peras, seu Guedes.

E foi tranquila até a cozinha passar uma água nas frutas, não me deixando na mesma tranquilidade, já que usava uma saia de malha um tanto justa.

Ela foi, e voltou.

Como é que eu vou dizer? Como posso me expressar sem que pensem que estou mentindo, que foi alucinação da febre ou caso extremo de gabolice? O fato é que ela voltou.

Voltou de ré, a Mirtinha, de sapato alto, com a blusinha branca que usava ao chegar, mas sem a saia, sem a calcinha, sem nada na parte inferior (quanta superioridade!). E caminhando lentamente, trazendo a pera sumarenta na mão direita, estendida para mim.

Como pode alguém andar de costas assim tão calma e ordenadamente numa casa em que acabou de entrar pela primeira vez? Confesso que o meu deslumbramento foi tal que só consegui exclamar:

– Mirtinha! Senhorita Mirtinha!

E nada mais falei. Ondas de calor me subiam à garganta à medida que ela se aproximava me oferecendo a fruta. Mas foi a bunda que eu mordi. A maravilhosa bunda de Mirtinha macia e quente na minha boca! Acho que desmaiei, quando acordei a casa estava quieta, uma pera intocada ao lado do meu travesseiro.

Era grande o meu desassossego, só em pensar em voltar ao escritório. O que dizer, como olhar para Mirtinha? Ela mostrou ter um caráter à altura do traseiro, me recebeu sorridente e discreta dizendo apenas:

– Que bom que o senhor voltou, seu Guedes.

Mas, de quando em quando, nos raros momentos em que ficamos a sós na sala onde trabalhamos com mais dois funcionários, de quando em quando, não em todos os momentos em que ficamos sozinhos, mas em ocasiões especiais, ditadas por não sei que desígnios do coração de Mirtinha, muito de vez em quando, e para meu deslumbramento, Mirtinha vai até a mesa em frente a minha (da Marcelina, boa datilógrafa), pois vai Mirtinha até a mesa da Marcelina e… suavemente começa a levantar a saia e me deixa ver, ó privilegiado, a sua bunda insofismável.

Por isto tudo é que eu digo, Mirtinha, certamente, não é uma garota como as outras.

Tag's: contos, Eloí Calage, goiânia, literatura brasileira, Rio de Janeiro

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