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Imagem: ilustração de Charles Leandre para o livro Madame Bovary
Imagem: ilustração de Charles Leandre para o livro Madame Bovary
Imagem: ilustração de Charles Leandre para o livro Madame Bovary

Tarsilla Couto de Brito em NoNaDa Professora do curso de Letras da UFG | Publicado em 22 de dezembro de 2017

Tarsilla Couto de Brito
Professora do curso de Letras da UFG
22/12/2017 em NoNaDa

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O chapéu de Charles Bovary

Para quem não conhece, apresento aqui a famosa casquette de Charles Bovary. Para quem conhece, um refresco de memória:

Era um daqueles chapéus compósitos, em que se encontram elementos da barretina de pele, do chapska, do chapéu arredondado, do barrete de lontra e do gorro de algodão, enfim, uma daquelas pobres coisas cuja feiura silenciosa tem profundezas de expressões, como o rosto de um imbecil. Ovoide e repleto de barbatanas, o chapéu começava por três rolos circulares; depois, losangos de veludo e pelos de coelhos alternavam-se, separados por uma faixa vermelha; a seguir, vinha um feitio de saco que terminava em um polígono acartonado, coberto por um complexo bordado em sutache do qual pendia, na extre­midade de um cordão muito fino, um entrelaçamento de fios dourados que formavam uma borla. Era novo; a viseira brilhava (cap. IV da edição da Nova Alexandria,com trad. de Fúlvia Moreto).

A descrição desse chapéu está nas primeiras páginas do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Tem a função metonímica de simbolizar seu dono: um sujeito igualmente compósito, que sobrepõe elementos heterogêneos e pouco harmônicos entre si. Poderia ser associado ao monstro do Dr. Frankenstein, mas nem de longe tem sua potência destrutiva, nem nos permite questionar os limites da razão. Ao contrário, é fraco, pacífico, medíocre. E isso me faz pensar nas diferentes personagens medíocres que conheci na literatura moderna. Deve haver muito mais, destaco, contudo, aqueles que me marcaram pessoalmente, como o homem do subsolo de Dostóievski, as figuras do Primo Basílio de Eça, o Brás Cubas de Machado, o Gabriel de James Joyce, o Félix Krull de Thomas Mann, o Mersault de Camus, a Macabéa de Clarice.

É claro que todas essas personas de papel merecem uma vírgula e um “mas”: o homem do subsolo é medíocre, mas transformou a neurose em arte literária; as figuras de Eça são medíocres, mas estão enredadas num discurso épico atualizado; Brás Cubas é medíocre, mas teve a esperteza de inscrever seu nome na tradição luciânica; Gabriel, personagem do conto Os Mortos, é medíocre, mas vive uma epifania reveladora de sua condição; Félix Krull é medíocre, mas insuperável impostor; Mersault é medíocre, mas matou uma pessoa e construiu uma tragédia em tempos em que as tragédias, no sentido antigo do termo, tornaram-se impossíveis; Macabéa é medíocre, mas sua mediocridade constitui uma ponta de lança para a transformação da narrativa brasileira. Somente a mediocridade de Charles Bovary permanece brutal, sem adversativas, solitária como um chapéu fora de moda. O chapéu de Charles Bovary me comove.

*

A feiura silenciosa e profunda do chapéu é tão incômoda que, em 2002, o romancista e crítico literário Michel Boujut convidou 23 artistas para desenharem, costurarem, pintarem a “novidade” imaginada por Flaubert. Comprem o livro ou fiquem satisfeitos com a prova da capa:

 

Casquette_Bovary00

 

Qual não é nossa surpresa ao perceber que, na prática, trata-se de um objeto impossível, cuja condição de existência é a linguagem da imaginação. As cartas embaralham-se: que fazer das definições realistas que sempre mencionaram a literatura flaubertiana como um exemplo de objetividade? A querela da mímesis se dissolve. Aqui a palavra precede a coisa, inventa-a, com a única finalidade de fazê-la falar em lugar de uma pessoa – uma pessoa que pouco diz ao longo do romance. Charles nasce (bem e mal) dito pelo chapéu. A observação de Mario Vargas Llosa, aquela que chama atenção para o fato de no romance Madame Bovary as emoções e as ideias darem a impressão de possuírem corpo e intimidade, permanece esclarecedora – da complexidade da arte literária e de sua relação com o mundo da vida. Pena que 150 anos depois da publicação de Madame Bovary, a imbecilidade parece não ser mais privilégio reflexivo das páginas dos romances. Os chapéus ridículos são muitos, variados e assustadoramente reais.

Tag's: casquette, Charles Bovary, Flaubert, literatura francesa, Madame Bovary, mímesis

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1 comentários em “O chapéu de Charles Bovary”

  1. Lucas disse:
    6 de outubro de 2020 às 07:15

    Parabéns professora Tarsilla

    Responder

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