Dominguinhos, um dos mestres do acordeão em nossa música, costumava dizer que nunca viu quem melhor soubesse retirar ritmo de um pedaço de couro. Desse couro curtido e esticado do pandeiro, o paraibano que nasceu cem anos atrás na pequena Alagoa Grande tomou para si um nome e fez uma escola inigualável. Jackson do Pandeiro tornou-se um gigante, apesar de nunca ter deixado de ser magrinho. Jackson do Pandeiro tornou-se uma referência, apesar de nunca ter deixado de ser humilde.
José Gomes Filho demorou um pouco a ter sua carreira alçada ao patamar que merecia. Nos anos 1950, quando já se tornava um balzaquiano, ele fez o trajeto que os artistas nordestinos tinham que trilhar se quisessem fazer sucesso para além de sua regionalidade. Exatamente como aconteceu com o Rei do Baião Luiz Gonzaga, o Rei do Ritmo, como Jackson do Pandeiro passaria a ser conhecido, foi para a então capital federal buscar espaço no maravilhoso mundo do rádio, a senha para o estrelato.
Para o Rio, levou sua versatilidade e abriu espaço para compositores nordestinos que também teriam pouca chance se não fosse um embaixador tão talentoso. Na terra do samba e com um pandeiro na mão, claro que o Zé da Paraíba (um de seus discos mais famosos se chamava Como Tem Zé na Paraíba, de 1962) foi obrigado a fazer concessões, gravando muitos sambas. Competente como só ele, não sentiu dificuldade em se adaptar ao que lhe pedia, mas sem abrir mão da própria identidade.
Com seu pandeiro endiabrado, que deixava todos boquiabertos com a maneira com que retirava ritmos inesperados do instrumento e colocava de ponta cabeça o que se conhecia a respeito de suas potencialidades, Jackson (nome artístico um tanto estrangeirado que fazia sucesso a reboque das aventuras dos astros de cinema) foi fazendo experimentos. Essas misturas possibilitaram ao cantor, compositor e ritmista ir paulatinamente inserindo as batidas nordestinas que compunham seu imaginário.
Com isso, ele integrou o grupo de artistas nordestinos que colocou a região no mapa da música brasileira contemporânea, só que com uma pegada ainda mais inusitada que os baiões de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Sua música era dançante por apoiar-se de forma mais intensa no xaxado e no coco, seduzindo com músicas que não permitiam a ninguém ficar parado. Ao lado disso, Jackson do Pandeiro, um senhor de pele escura e fala fácil, era puro carisma e mostrava certa desenvoltura nos passos.
Assim, ele foi enfileirando sucessos, não deixando ninguém ficar estático. Isso, de fato, era impossível. Como não acompanhar as peripécias de Comadre Sebastiana, que veio com uma dança diferente e pulava igual uma guariba? Como não tomar partido do homem que anunciava que só botaria bebop no samba quando o Tio Sam pegasse no tamborim; quando ele pegasse no pandeiro e no zabumba, quando ele entendesse que o samba não é rumba? Essa mistura de chiclete com banana era irresistível.
Jackson do Pandeiro foi incensado como um dos maiores nomes da música brasileira de seu tempo, incensado por nomes como Gilberto Gil (um fã declarado, que contou em uma entrevista recente que, ainda menino, foi ver um show do ídolo no espaço onde hoje está o Estádio da Fonte Nova, em Salvador), Sivuca e Chico Buarque, o paraibano mirrado e milagreiro com um instrumento na mão tornou-se lenda. Impossível falar de ritmo, de samba, de xaxado sem mencioná-lo com destaque.
Esse verdadeiro gênio da raça, um autodidata que parece ter nascido para nos agraciar com uma música inigualável, morreu em Brasília, onde faria uma apresentação, em 1982. Seu enterro foi modesto, mas seu legado permanece perene. Com um chapéu de palha, camisas estampadas e floridas, calças de tergal e um bigodinho malicioso, Jackson do Pandeiro foi um artista completo, um João Gilberto do forró, como chegou a ser comparado. Tem muito Zé na Paraíba, não? Sim, mas igual ele só teve um.