De Paris – Berthe Morisot teve, enfim, sua exposição. Ela esteve em cartaz até o dia 22 de setembro, no Museu d’Orsay. Houve poucas exposições consagradas, especificadamente, a esta artista, das quais uma, em 1961, sob a responsabilidade de sua filha, Julie Manet, de quem a artista fez vários retratos.
Esta última exposição foi a quarta. Também é bom lembrar que a precedente, realizada no Museu Marmottan, em 2012, em consequência de uma seleção de obras e montagem discutíveis, dava a sensação de que ela era o epígono de Monet e, sobretudo, de Renoir.
Também lemos, no L’Express de 24 de março de 2012, e sob uma assinatura feminina, um comentário que parecia definitivo em sua severidade: “E, no entanto, suas telas têm dificuldade em convencer. Por quê? Porque Berthe Morisot continuará limitada aos temas ditos ‘femininos’, os únicos autorizados às mulheres artistas do século XIX. Apesar do seu refinamento pictórico, suas cenas familiares, seus retratos de crianças, essas paisagens evocam uma felicidade suave demais. Aborrecida”.
Nessa exposição de 2019, encontramos, certamente, as obras já conhecidas, como Berceau (do acervo do Museu d’Orsay) ou Eugène Manet et sa Fille (a filha deles, Julie, quadro que pertence ao Museu Marmottan).
Mas, dessa vez, saíram de várias coleções particulares uma quantidade de obras jamais exposta. E isso muda a ideia já feita de sua obra. O defeito da exposição de 2012 é que ela dava a impressão de que Morisot, a reboque de Renoir, nos seus últimos anos, tinha falhado em propor uma visão pictórica homogênea e original. A falha, em contrapartida, dessa exposição de 2019 foi que ela não respeitou a trajetória da artista, o que é possível apenas pela cronologia, mas se desenvolveu por temas. Assim, viu-se, de uma sala à outra, obras de épocas bem diferentes.
Entretanto, é fácil de perceber a segurança do toque e de construção de Morisot durante toda a sua carreira, que a doença interrompeu brutalmente, quando ela não tinha ainda 50 anos. Vemos, em particular, uma paleta de verdes bem pessoal que encanta várias telas, como Le Lilas à Maurecourt. Mas também uma paleta de brancos que estrutura toda a obra, como La Psyché ou Femme à sa Toilette. Essas duas paletas dominantes podem se encontrar: Eugène Manet à l’Île de Wright, Jeune Femme en Toilette de Bal…
Existe, também, uma variante entre o vermelho e o rosa, com o branco: Nu de Dos, Jeune Femme se Poudrant. A liberdade e a segurança do toque, largo e aéreo ao mesmo tempo, bem conhecidos pelo Autoportrait que está no Marmottan, são várias vezes confirmados por outros retratos, frequentemente inéditos. Tudo aqui é próprio a Berthe Morisot, no que diz respeito a suas paletas e a seu mundo. E não poderíamos repreendê-la pelo fato de esse mundo ser o seu, passavelmente burguês e familiar, porque é menos o tema que importa que a maneira de restituí-lo. De resto, várias paisagens marítimas, em particular, demonstram a mesma mestria, o mesmo olhar.
A curadora da exposição, Sylvie Patry, apresenta, aliás, uma questão bem de acordo com “a atmosfera do tempo”. Ela sustenta, com efeito, que tal reconhecimento tardio de Morisot, em 2019, é a consequência, vinda do mundo universitário, dos estudos de gênero.
Na verdade, nada é menos certo. Com efeito, no século XIX, a artista mais conhecida e reconhecida não era, em caso algum, Berthe Morisot. Glória internacional, tratava-se de Rosa Bonheur, artista apreciadíssima pela rainha Vitória (cujo gosto, em verdade, era muito austero). A vida agitada dessa artista, os rumores persistentes sobre seu lesbianismo, não deixaram de interessar os estudos de gênero, como o mostra o livro de Dore Ashton e Denise Browne Hare, Rosa Bonheur: a Life and a Legend, publicado pela Viking, em 1981. Entretanto, nada, quanto ao reconhecimento artístico, é visível com relação a essa artista. Mas podemos ver seu Le Marché aux Chevaux, de 1853, em Nova York, no Metropolitan Museum of Art. E o que dizer de seu Labourage Nivernais, que é encontrado neste mesmo Museu d’Orsay, que abrigou a exposição Morisot.
Há, então, uma outra razão que escapa à razão universitária. Ela reside, em tudo e por tudo, na qualidade da arte de Berthe Morisot, que falta à rusticidade acadêmica de Rosa Bonheur (a despeito de um bom Autoportrait de sua lavra). E que falta, também, a Mary Cassatt, como uma exposição, realizada de março a julho de 2018 no Museu Jacquemart André, em Paris, demonstrou.
É por uma heterogeneidade de aproximações, entre Degas e o academicismo, que, a despeito do belo domínio presente em suas estampas, é interditada a Mary Cassatt a mesma estatura de Morisot.
A ela, Berthe Morisot, a liberdade no domínio de sua arte, e a graça.
[Tradução de Rosângela Chaves]