[Coautores: Paula Entrudo[1] e Weiny César Freitas Pinto[2]]
Ainda não sabemos mensurar a importância exata de Luiz Roberto Monzani (1946-2021) para a filosofia brasileira da psicanálise, embora já saibamos que a sua produção nesse campo é bastante fecunda e significativa. O pequeno ensaio O que é filosofia da psicanálise? e seu texto maior, Freud: o movimento de um pensamento (1989), são exemplos notáveis de suas contribuições.
Ilustre por participar do estabelecimento de um marco no campo dos estudos brasileiros em Filosofia da Psicanálise quando a área ainda era incipiente, Monzani é um dos responsáveis pelos primeiros avanços desse campo de pesquisa. Participou do curso de especialização Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise, oferecido pelo CLE/Unicamp entre os anos de 1984 e 1997 e, junto de Bento Prado Jr. (1937-2007), consolidou a investigação acerca da Filosofia da Psicanálise no Brasil, tornando-se, ambos, grandes nomes dessa área de estudo (cf. FILOSOFIA UFSCAR, 2021).
Em O que é filosofia da psicanálise?, o filósofo expõe em poucas páginas sua percepção acerca da definição desse campo de pesquisa filosófico. Ali, Monzani procura comentar e responder o que se entenderia pela expressão Filosofia da Psicanálise, traçando um caminho por meio do qual esse campo de pesquisa se distancia de expressões como filosofia da ciência, filosofia da física e filosofia da biologia.
Por mais que exista uma filosofia da biologia, uma filosofia da física e uma filosofia da ciência, cujos trabalhos e pesquisas são bem-sucedidos, essas disciplinas, ao contrário do que seria a Filosofia da Psicanálise, estão fortemente ligadas à concepção clássica da racionalidade científica moderna. Já a Filosofia da Psicanálise segue outro tipo de abordagem, muito mais marcada pelo que viria a se tornar no variado campo da racionalidade epistemológica contemporânea, o que se convencionou chamar mais recentemente de “epistemologia histórica”.
Em seu Freud: o movimento de um pensamento (1989), resultado de sua tese doutoral em filosofia, orientada por Marilena Chaui, pela Universidade de São Paulo (USP), Monzani insere-se no vasto campo brasileiro de estudos freudianos, tornando-se um dos principais intérpretes de Freud no Brasil e abrindo decisivamente o campo de análises filosóficas a respeito da psicanálise. Foi a partir daí que, na década de 1990, se desenvolveram os primeiros trabalhos com temas e questões relacionados à Filosofia da Psicanálise, trabalhos que se tornaram pioneiros e de grande importância para os estudiosos e pesquisadores até os dias atuais.
Os trabalhos de Monzani a respeito da Filosofia da Psicanálise proporcionaram-nos melhor compreensão acerca da recepção de Freud pela filosofia, assim como nos fizeram compreender com maior atenção o desenvolvimento dos conceitos centrais da teoria psicanalítica.
A respeito de como se deve retratar esse “novo” campo de pesquisa – Filosofia da Psicanálise –, muitas vezes visto precipitadamente como mero modismo, Monzani chama a atenção para a necessidade de uma espécie de “paciência epistemológica”:
No caso da psicanálise (Freudiana) isso fica patente e gritante. Em primeiro lugar, porque é difícil dizer que a psicanálise é uma disciplina já constituída. De uma certa maneira, em segundo lugar, isso que eu estou afirmando a respeito da psicanálise, suspeito que seja válido para um bom número de disciplinas que enfeixamos sob a designação geral de ciências humanas. A ideia talvez mais correta seja a de que, na melhor das hipóteses, são disciplinas que estão se fazendo, e o resultado disso é muito difícil de se saber. (MONZANI, 2008, p. 13).
Com efeito, a psicanálise não é filosofia e a filosofia não é psicanálise, e, no entanto, a interlocução entre essas duas áreas, de algum modo ligadas desde Freud – que, diga-se, jamais foi um filósofo –, seguramente ocupa lugar de relevância no campo filosófico contemporâneo. O quão relevante é e quais a consequências mais decisivas disso ainda estamos compreendendo.
Seja como for, tendo sua obra como uma das principais referências no campo da filosofia brasileira da psicanálise, é possível afirmar que o pensamento e a filosofia de Monzani têm muito a contribuir para esse processo de compreensão no qual estamos envolvidos. Nos últimos anos, sua filosofia vem alcançando cada vez mais notoriedade, e o estudo e a pesquisa sobre o seu pensamento se tornaram ainda mais acessíveis a estudantes e pesquisadores de cursos de filosofia e psicologia. No entanto, apesar desse avanço, e por mais que seu trabalho e pesquisa tenham sido muito importantes e tenham se constituído como marco para a filosofia brasileira da psicanálise, ainda nos perguntamos: compreendemos Monzani?
(Revisão de Pedro Silva e Bruno Ibanês. Revisão final e edição de Rosângela Chaves)
Referências
FILOSOFIA UFSCAR. Falecimento do Prof. Dr. Luiz Roberto Monzani, 2021. Disponível em: https://www.dfil.ufscar.br/news/falecimento-do-prof-dr-luiz-roberto-monzani. Acesso em: 20 mar. 2023.
MONZANI, L. R. Freud: o movimento de um pensamento. Campinas: Editora da Unicamp, 1989.
MONZANI, L. R. O que é filosofia da psicanálise? Philósophos – Revista de Filosofia, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 11-19, 2009. Disponível em: https://revistas.ufg.br/philosophos/article/view/5735. Acesso em: 4 mar. 2023.
[1] Mestranda, com bolsa Capes, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: paula.mariana.rech@gmail.com
[2] Professor do Curso de Filosofia e do Programa do Pós-graduação em Psicologia da UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atua na área de pesquisa em história da filosofia moderna e contemporânea, com ênfase em filosofia da psicanálise e epistemologia das ciências humanas. E-mail: weiny.freitas@ufms.br.
O artigo é o quarto da quinta edição da série Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros artigos publicados:
- O contemporâneo disforme, de Lucas Mateus Barreiro Goes e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/04/o-contemporaneo-disforme/.
- Democracia e a humanidade dos outros, de Carlos Eduardo de Lucena Castro e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/11/democracia-e-a-humanidade-dos-outros/.
- Culpa e consciências limitantes, de Luiz Augusto Flamia e Jonathan Postaue Marques, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/18/culpa-e-consciencias-limitantes/.