Ao fechar esta edição do “Projeto Ensaios”, celebramos uma parceria com o “Projeto Ágora”, cuja finalidade é levar a discussão filosófica e das ciências humanas para o ambiente público e incentivar a participação popular ao debate sobre a utilidade e importância da filosofia e das ciências humanas no mundo contemporâneo, e inauguramos uma nova ação. A partir de agora, cada edição do “Projeto Ensaios” será aberta e fechada com uma minientrevista sobre algum projeto de alta relevância na área de divulgação e popularização científica das ciências humanas. Nossa primeira minientrevista foi realizada com Rosângela Chaves, editora do site Ermira Cultura , projeto que tem de nossa parte especial reconhecimento, não apenas pelo excelente trabalho que realiza, mas também por acolher generosamente em seu meio o nosso “Projeto Ensaios”.[1]
Weiny César Freitas Pinto, coordenador do Projeto Ensaios e do Projeto Ágora
Confira a entrevista de Rosângela Chaves, editora de Ermira Cultura, concedida a Natasha Garcia:
Rosângela, como nasceu a ideia de criar o Projeto Ermira?
A ideia surgiu em 2015. Na época, eu tinha saído do jornal O Popular, aqui em Goiânia, onde atuei por quase 13 anos como editora do caderno Magazine, de cultura. Estava cursando o doutorado em Filosofia pela UFG, mas não queria me afastar completamente do jornalismo. Então, com mais dois colegas, os jornalistas Edson Wander e Rogério Borges, além do professor e poeta Luís Araujo Pereira, que é meu marido, tivemos a ideia de criar o site, que foi lançado no ano seguinte, em 2016, e que seria um espaço para ensaios, reportagens, crônicas, poesia, enfim, sobre temas da cultura em geral e também da filosofia, que sempre foi um ponto forte do site. Nossa intenção era fazer algo diferente do jornalismo cultural tradicional da grande imprensa, muito superficial e pautado pela agenda das celebridades, para atender a um leitor mais exigente, com um conteúdo de maior profundidade e questionador. É importante dizer que o site nasceu com a ideia de ser um projeto colaborativo, sem fins lucrativos. Inclusive, toda a parte visual e de programação dele foi feita de forma voluntária pela equipe da Ampli Comunicação, na época dirigida por Richard Belle Branco, Douglas Belle Branco e Deire Assis, e pelo designer gráfico Fábio Salazar. O que queríamos era um espaço em que poderíamos ter liberdade para escrever e publicar nossos textos, claro que de forma profissional, séria e responsável, pela própria trajetória das pessoas envolvidas no projeto, mas sem as amarras e limitações dos veículos tradicionais de imprensa.
O projeto se tornou o que você idealizava?
Houve bastantes mudanças no decorrer destes anos. Do trio inicial de editores, só eu fiquei, o Rogério e o Edson se afastaram por conta de outros compromissos. No começo, contávamos com muitos colaboradores jornalistas, ex-colegas de redação, que também se afastaram pela dificuldade de conciliação das suas atividades com o compromisso de escrever para o site. Assim, a ideia de publicar reportagens foi deixada de lado, porque não contamos com uma equipe para dar conta disso. E o foco do site passou a ser a publicação de ensaios, resenhas, crônicas e poesia e eventualmente entrevistas. Aliás, para grande surpresa e alegria nossa, o Ermira passou a ser referência nacional em poesia. Todos os meses, na coluna Florações, publicamos uma seleção de poemas de algum poeta brasileiro ou estrangeiro, com curadoria do Luís Araujo Pereira. Esta coluna é um sucesso, uma das mais acessadas no site. Na nossa equipe de colaboradores fixos, contamos hoje com o jornalista Gilberto G. Pereira, o psicanalista e jornalista Roberto Mello, o escritor e poeta Luís Araujo Pereira, já mencionado, e eu, que escrevo regularmente para as colunas Miradas (que traz ensaios sobre filosofia, literatura e outras áreas da cultura) e Mulherzinhas (em que faço perfis de mulheres da ficção e da vida real). Mas sempre temos a colaboração também de várias outras pessoas, entre escritores, jornalistas, professores e pesquisadores de filosofia, letras, ciências sociais, direito etc., além da parceria do Projeto Ensaios, com o professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da UFMS.
O seu compromisso com o jornalismo cultural advém da sua formação em jornalismo, certo? Além de jornalista, você também tem graduação em Direito e é filósofa. Como você enxerga que a sua longa trajetória de pesquisa (graduação, mestrado e doutorado) em Filosofia contribui para o Ermira?
Sim, eu sou formada em Jornalismo pela UFG, em Direito pela PUC-GO e sou licenciada em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (SP). Fiz mestrado e doutorado em Filosofia pela UFG e tenho dois livros publicados na área de filosofia, além de vários artigos em coletâneas e periódicos da área. Hoje atuo como pesquisadora de filosofia e dou aulas no curso de Direito da Faculdade Católica de Anápolis. Essa minha formação sempre pesou muito na forma como compreendo o jornalismo e foi essa experiência que eu pretendi trazer para o Ermira. Para mim, o verdadeiro jornalismo deve assumir um papel de esclarecimento público, no sentimento iluminista mesmo da palavra. Embora seja um projeto feito de forma voluntária e colaborativa, com um alcance pequeno em comparação com os grandes veículos de comunicação, o Ermira tem o objetivo de cumprir este papel, com um conteúdo que represente um exercício contínuo de questionamento e reflexão sobre o tempo em que vivemos.
Sabemos que o formato de comunicação do Ermira é a escrita. Qual a importância da escrita nesse nosso contexto em que a imagem é preponderante? Você pensa em expandir o formato do Ermira, partindo para o audiovisual?
Durante a pandemia, eu cheguei a ensaiar, em companhia do jornalista Rogério Borges, uma experiência no Youtube, com um canal para entrevistas e debates. Mas isso estava tomando muito tempo da gente e não obteve o retorno esperado. Assim, decidi me concentrar só no site mesmo. Eu sempre pensei no site também como um exercício de escrita. Aliás, quando tive a ideia de criá-lo, algo que não saía da minha cabeça e até hoje me inspira foi uma afirmação do escritor Gabriel García Marquéz de que ele continuava a escrever para jornais para “manter o braço aquecido”. Acho isso maravilhoso. Para mim, escrever é isso, “manter o braço aquecido”, a mente afiada, um exercício constante de diálogo conosco, com os autores e autoras que lemos e com o mundo. E nesta época de prevalência da imagem, escrever também virou um ato de resistência, para não sucumbir a esse bombardeio de imagens a que somos submetidos a todo tempo. Para mim, o Ermira é, acima de tudo, isso: um espaço de escrita, de reflexão e de resistência.
“O Ermira é um espaço de escrita, de reflexão e de resistência”
Para finalizar, gostaria que deixasse um trecho de sua preferência do autor Carmo Bernardes, que afinal de contas foi o grande inspirador do nome do seu projeto, o Ermira, não é isso?
Sim, o nome Ermira é em homenagem a uma personagem do romance Jurubatuba, do escritor Carmo Bernardes, que nasceu em Minas, mas fez sua carreira literária em Goiás e é um dos maiores nomes da literatura do Estado. Ermira é uma mulher sensual, solar, uma linda morena por quem o peão Ramiro, o protagonista do romance, se apaixona perdidamente. O Carmo era um grande conhecedor do Cerrado, da sua geografia, da sua flora e fauna e suas descrições da paisagem goiana, na sua linguagem ao mesmo tempo erudita e popular, são repletas de poesia e sensibilidade. Cito um trecho de Jurubatuba, em que o peão Ramiro para um momento para descansar de uma longa viagem e apreciar a beleza do Cerrado: “Um disparate de passarinhos alvoroçados, cantando e esvoaçando, era, no meu sentir, o que mais enfeitava aquela tarde cor de ouro. As rolinhas, a caldo-de-feijão e a fogo-pagou, muitas delas reunidas, vinham mansinhas, caminhando e catando quirera no limpeiro da aguada, até bem rentinho de mim, só vendo que gracinha. Aí no barranco, bem unido à boca da ponte, frondejava uma gameleira, já vestidinha de renovos, e nessa, então, é que os passarinhos aprontavam uma fífia cerrada, e fervilhavam e saltitavam dum tanto que tudo quanto era folha mexia. O sanhaço e o passopreto principalmente.”
[Revisão de Pedro Silva e Bruno Ibanês]
[1] Sobre o Projeto Ensaios (https://www.anpof.org/comunidade/projeto-ensaios). Sobreo Projeto Ágora (https://www.instagram.com/projetoagoraufms/).
A entrevista encerra a quinta edição da série Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os nove artigos publicados nesta edição:
- O contemporâneo disforme, de Lucas Mateus Barreiro Goes e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/04/o-contemporaneo-disforme/.
- Democracia e a humanidade dos outros, de Carlos Eduardo de Lucena Castro e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/11/democracia-e-a-humanidade-dos-outros/.
- Culpa e consciências limitantes, de Luiz Augusto Flamia e Jonathan Postaue Marques, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/18/culpa-e-consciencias-limitantes/.
- Monzani e a filosofia brasileira da psicanálise, de Maria Eduarda Rodrigues, Paula Entrudo e Weiny César Freitas Pinto, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/03/25/monzani-e-a-filosofia-brasileira-da-psicanalise/.
- Como abordar textos filosóficos?, de Natasha Garcia Coelho e Paula Entrudo, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/04/01/como-abordar-textos-filosoficos/.
- Engajamento e crise: os desafios científicos que a filosofia enfrenta no mundo contemporânea, de Pedro H. C. Silva, Ilker Luiz Alves Batista e Jonathan Postaue Marques, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/04/08/engajamento-e-crise-os-desafios-cientificos-que-a-filosofia-enfrenta-no-mundo-contemporaneo/.
- A renovação líquida de Orfeu, de Amanda Malerba, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/04/15/a-renovacao-liquida-de-orfeu/.
- A arte de interpretar filosofia em seu contexto histórico, de Guilherme Baís do Valle Pereira, Vítor Hugo dos Reis Costa e Andre Koutchin de Almeida, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/04/22/a-arte-de-interpretar-filosofia-em-seu-contexto-historico/.
- Qual a utilidade da filosofia na contemporaneidade?, de Kauê Barbosa de Oliveira Lopes e Vítor Hugo dos Reis Costa, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/04/29/qual-a-utilidade-da-filosofia-na-contemporaneidade/.