A Quasar poderia chegar a ser um Corpo? Poderia, mas é difícil, basicamente por causa da música própria, ou da falta dela. Diferente do Grupo Corpo, de Minas Gerais, a companhia goiana Quasar Cia. de Dança, também uma das melhores do país no quesito coreografia, pouco investe em trilha sonora original, valendo-se quase sempre de adaptações musicais em suas peças.
É assim desde Asas (1988), primeiro espetáculo do grupo concebido pelo coreógrafo Henrique Rodovalho. De lá até Sobre Isto, Meu Corpo Não Cansa (2014) – montagem que usa canções da novíssima geração de cantoras da MPB –, foram 25 montagens em 28 anos de vida.
Raramente a música própria, criada originalmente para o grupo, ganhou espaço nas montagens. E quando ganhou, como em Divíduo (1998), com Hendrik Lorenzen, o experimentalismo a serviço das cenas sufocou a música. Mesmo procedimento que se seguiu em Coreografia para Ouvir (1999) e Empresta-me Teus Olhos (2001).
É um processo criativo inversamente proporcional ao que faz o Corpo. Rodovalho opta por conceber a coreografia e inserir nela a música preferida, buscando algo que se encaixe no quadro de movimentos da peça. Usa de tudo, de música brasileira (Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Tom Jobim) a pop gringo (Tom Waits, Massive Attack), passando também por nomes da vanguarda europeia (como o belga Wim Mertens). Tudo muito bem escolhido, é verdade, mas de pouca simbiose com o que vai no bailado nos palcos.
A crítica especializada vê em Rodovalho um inovador da linguagem corporal, um inventor de movimentos. Enxerga-se inovação também em como ele se utiliza bem do humor, da temporalidade (baseada em esquetes, lances rápidos em cena), de figurinos prosaicos e da inteligente relação com novas mídias, o que trouxe frescor à cena e atraiu novos públicos.
Helena Katz acha que isso tem a ver com o fato de Henrique Rodovalho não ser tributário da linhagem clássica do balé. Ele é formado em educação física e se exercitou muito nas artes marciais. Daí que tudo nele tem a ver mais com as “coisas do corpo”, aponta Katz. Curioso notar que não se fala, contudo, da música no trabalho do grupo Quasar, talvez por ela pouco emergir de fato nas montagens.
Mas dança, especialmente a dança contemporânea, parece algo indissociável de música. Da música própria, original, frise-se, genuína, pensada para o movimento específico de algo ou alguém. E quanto mais identidade tem a trilha, mais força ganha a própria coreografia. É o que parece ter descoberto os irmãos Pederneiras, que comandam a companhia mineira Corpo.
Desde Maria Maria, o seminal espetáculo de 1975 que deu origem ao grupo Corpo, e também a um dos clássicos da MPB (a canção-título de Milton Nascimento que banhou o espetáculo e ganhou vida própria), a companhia não faz balé sem música própria. O coreógrafo Rodrigo Pederneiras diz que a primeira coisa em que pensa na montagem de um espetáculo é na música.
Sempre convidando músicos que admira, os Pederneiras engendraram uma nova história da dança contemporânea brasileira respeitada mundo afora. Com destaque para Marco Antônio Guimarães e o recém-extinto Uakti (donos das melhores trilhas do grupo), o Corpo sempre privilegiou a música brasileira, sem distinguir gêneros. Pediu música a Lenine, Tom Zé, Arnaldo Antunes, José Miguel Wisnik, Moreno Veloso, Domenico Lancelloti e Kassin (do rotativo trio carioca) e, mais recentemente, a Skank, para um dos dois novos espetáculos que celebram seus 40 anos de vida.
Visto e ouvido no todo, não é difícil ao espectador mais atento perceber que a grande força do grupo também está na sua música. E mais ainda por ela ser original. Faz par perfeito com o bailado, ambos igualmente originais.